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Economia Brasileira

Integração dos ricos e desintegração
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 Livre negociação, pescoço guilhotina Aloizio Mercadante

 

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Livre negociação, pescoço e guilhotina

ALOIZIO MERCADANTE

O Brasil é um país extraordinariamente desigual, com índices de pobreza elevados que contrastam com a riqueza e a potencialidade de seus recursos produtivos. O tempo passa, entra governo, sai governo, o "bolo" cresce, a inflação é controlada, mas a situação não muda, pelo contrário, só se agrava. É o que mostram os trágicos dados disponíveis.
A distribuição da renda está piorando. Em termos médios, na década de 90 -a década da modernidade neoliberal, do "Brasil com rumo", segundo o discurso oficial-, não só não houve nenhum avanço com relação aos anos 80 -a chamada "década perdida"- como as tendências de todos os indicadores, de acordo com o IBGE, foram claramente negativas. A participação dos 40% mais pobres da população na renda total, por exemplo, caiu de 8,4% em 1992 para 8,0% em 1999, enquanto a parte apropriada pelos 10% mais ricos passou de 45,8% para 47,4%. No mesmo intervalo, o coeficiente de Gini (indicador global do grau de desigualdade) subiu de 0,58 para 0,60.
Para completar, os últimos dados do Ipea indicam que 53 milhões de brasileiros (quase um terço da população total) se encontram abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo em condições extremamente precárias.
A superação desse quadro implica transformações estruturais profundas, que significam inverter a lógica excludente dos modelos de política econômica aplicados no país, que sempre relegaram o social a um plano secundário e residual.
A valorização do trabalho é parte essencial desse processo. Apesar das tendências que se insinuam no porvir da sociedade contemporânea, o trabalho, no nosso caso, ainda é -e será por muito tempo- o elemento central de inserção social, de ingresso à cidadania, de afirmação individual. A expansão do emprego, a qualificação crescente dos trabalhadores, a melhoria das condições de trabalho e o desenvolvimento e universalização dos sistemas de proteção social são, nessa perspectiva, elementos vitais no combate à pobreza e à desigualdade social.
É dentro desse quadro que o governo Fernando Henrique Cardoso desencadeia uma nova ofensiva contra os direitos trabalhistas, sob a argumentação, primária e insustentável, de que, tirado o amparo da lei, se fortaleceria o poder de negociação dos sindicatos e se estimularia a expansão do emprego. A declaração do ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, de que as novas regras criariam 20 mil empregos, é quase cômica em um país que, graças à política econômica do atual governo, já tem uma massa de desempregados da ordem de 8 milhões de trabalhadores e, além disso, necessita de cerca de pelo menos 1,5 milhão de novos postos de trabalho anualmente para absorver o contingente de jovens que ingressam no mercado.
Não é demais recordar que a reforma da legislação e das práticas trabalhistas é uma das peças centrais do pacote neoliberal, fazendo parte -em conjunto com a privatização da previdência, da saúde, da educação e do saneamento básico- das reformas de segunda geração previstas naquele pacote e incorporadas como exigência nos acordos com o Fundo Monetário Internacional.
A "flexibilização" da legislação trabalhista tem sido, nesse contexto, uma temática recorrente nas propostas e ações do atual governo. Recorde-se, como exemplo, a lei nº 9.601/98, sobre o contrato por prazo determinado, a medida provisória nº 1.709, sobre a redução da jornada de trabalho e do salário, e o decreto nº 2.100, sobre a demissão sem motivo. Agora, com o projeto de lei nº 5.483/2001, o governo pretende alterar a legislação, subordinando as leis que regulam conquistas sociais -como o 13º salário, a jornada de trabalho de oito horas, as férias, a licença-maternidade, o aviso prévio e a remuneração do trabalho noturno, entre outras- a acordos "livremente negociados" entre patrões e sindicatos.
Ou seja, o mesmo governo que pratica uma política econômica contracionista, que engessa o crescimento sustentado da economia, que aumenta o desemprego e que reduz a participação dos salários no PIB (hoje inferior a 30%), na outra ponta pretende retirar o suporte legal das conquistas dos trabalhadores, em nome dos "benefícios" da livre negociação, que, nas condições atuais, equivaleria, para os trabalhadores, mais ou menos à liberdade que tem o pescoço de negociar com a guilhotina.
Conforme já foi sobejamente demonstrado em diversos estudos da Organização Internacional do Trabalho, não há nada na experiência internacional que permita demonstrar que a regulamentação do mercado de trabalho limita a criação de empregos ou que a flexibilização das relações trabalhistas, com a extinção parcial ou total de direitos e conquistas sociais, aumenta o emprego ou diminui sua instabilidade. Tampouco existem evidências de que a redução de salários contribua, em nível agregado, para aumentar o emprego.
Os problemas de custos que as empresas enfrentam atualmente no país não decorrem principalmente dos custos salariais -reconhecidamente mais baixos em nosso país como proporção dos custos totais- nem da rigidez do mercado de trabalho, que, pelo contrário, já é altamente flexível no Brasil em razão do elevado grau de informalidade, das altas taxas de rotatividade prevalecentes e da amplitude da estrutura de remunerações.
A raiz do problema das empresas está na taxa de juros "escorchante", nos atrasos e deficiências da infra-estrutura energética e logística e na irracionalidade do sistema tributário, que pune a produção e infla a taxação sobre a folha de pagamentos. São esses os aspectos que deveriam ser objeto de políticas ativas e coordenadas, voltadas para a elevação da produtividade sistêmica e da competitividade externa da economia.
Em vez disso, o governo Fernando Henrique Cardoso, utilizando a sua maioria no Congresso, prefere revogar as conquistas sociais dos trabalhadores, agravando suas condições de vida, ampliando as desigualdades sociais e aumentando a insegurança e a instabilidade no emprego. A oposição conseguiu adiar por uma semana a votação do projeto do Executivo. Mas é decisivo que haja uma ampla mobilização popular para que se assegure a busca de outro caminho que não seja o da guilhotina.