Existe uma percepção cada
vez mais forte de que as forças da globalização estão colocando em risco os sistemas de seguridade social nos países ricos. Essa
percepção se baseia em uma idéia
intuitiva. Os gastos com a seguridade social são altos e elevam os
custos da mão-de-obra, o que induz as empresas a transferir atividades para países onde o sistema
de seguridade social é menos desenvolvido, e os custos trabalhistas, inferiores.
Os países ricos então se vêem
sob pressão para reduzir suas
provisões sociais, o que ameaça
uma de suas grandes realizações,
ou seja, a capacidade de garantir
uma renda razoável a todos os cidadãos atingidos pelas forças da
competição.
Até que ponto é verdadeiro esse
cenário de "race-to-the-bottom",
do vale-tudo pela competitividade? A globalização está em curso
já há algum tempo. Tornou-se
mais intensa a partir dos anos 80,
quando um número crescente de
países abriu suas fronteiras. Mas,
entre os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico),
fora a Irlanda, os gastos sociais se
elevaram de 80 para cá. Para a
área da OCDE como um todo, os
gastos sociais aumentaram de
19,5% para 24% do PIB médio das
nações envolvidas. Assim, se existe o tal vale-tudo, é uma tendência
que não se fez sentir vigorosamente nos últimos anos.
Os críticos da globalização provavelmente não se deixarão convencer por esse indicador. A globalização, alegam, ainda não obteve seu máximo impacto. No futuro, a dinâmica do vale-tudo pela competitividade operará com
força maior. Talvez. Existe uma
maneira indireta de averiguar essa tendência. Entre os países industrializados, os níveis de proteção social variam consideravelmente. Se a hipótese do vale-tudo
for correta, os países que gastam
muito com seguridade social deveriam estar perdendo competitividade.
É isso o que estamos vendo? A
cada ano, o IMD, uma escola de
administração de empresas sediada em Lausanne, na Suíça, calcula
um índice de competitividade e
classifica os países em um ranking. O índice sintetiza as diferentes dimensões da competitividade
nacional (competitividade de preço e custos, capacidade de inovar,
qualidade do capital humano, eficiência do setor público e outros
indicadores). De acordo com os
críticos, os países que gastam
muito em seguridade social deveriam ter baixa competitividade e
assim se veriam forçados a reduzir seus gastos sociais no futuro.
Mas os fatos apontam para um
quadro diferente. No geral, os países da OCDE com gastos sociais
elevados são também os que se
saem melhor no ranking da IMD.
Holanda, Finlândia, Dinamarca,
Suécia e Noruega gastam mais de
30% de seu PIB para fins sociais,
mas, de acordo com a classificação do IMD, estão entre os mais
competitivos países do mundo.
Os EUA são a mais notória exceção a essa regra: ocuparam o primeiro posto em termos de competitividade, no período 1997-2001, e, com apenas 17% do PIB,
têm um nível relativamente baixo
de gastos sociais. Trata-se de um
exemplo mencionado por aqueles
que alegam que a globalização
forçará os países a escolher entre a
competitividade e o seguro social.
O fato é que não existe essa correlação. Os gastos sociais podem
estar vinculados à competitividade. Países com fortes sistemas de
seguridade social têm pouco a temer da globalização. Como explicar esse surpreendente resultado?
A competitividade de um país
depende da qualidade de seu capital humano. Uma força de trabalho mais educada tem maior
chance de criar tecnologias, produtos e técnicas. E a capacidade
de inovar é crucial para manter e
aperfeiçoar a competitividade.
Pode-se alegar que o capital humano de uma nação é aperfeiçoado por um sistema eficiente de seguridade social. Um sistema como esse permite que os trabalhadores se sintam menos inseguros
e lhes dá uma sensação de inclusão. Esse sentimento de inclusão
conduz a sociedades estáveis,
com um forte senso de coesão.
Um sistema eficiente de seguridade social cria um capital social que
em última análise aumenta a produtividade de um país. Isso permite que mais recursos sejam
usados na seguridade social.
Governo eficiente
Claramente, grandes gastos sociais não elevam a produtividade
de um país automaticamente. A
chave é um governo eficiente. Em
países cujo governo é eficiente, as
contribuições para a seguridade
social são transformadas em serviços sociais cujo valor excede o
montante contribuído. Nesses
países, trabalhadores e empresários se sentirão satisfeitos, e a produtividade tem chance de melhorar. Inversamente, em países com
governos ineficientes as contribuições se tornam serviços sociais
de baixo valor. Frustração e falta
de motivação resultam disso.
De certa forma, a globalização
funciona como a "mão invisível"
definida por Adam Smith. Ela
pressiona os países a ganhar competitividade e força os governos a
ser eficientes, gostando ou não.
Os que obtiverem sucesso aumentam a competitividade de
seus países e são recompensados
por mais serviços sociais para os
seus cidadãos; os que fracassam
reduzem a produtividade e a
competitividade e são punidos
por menos serviços sociais para
os seus cidadãos. Nesse sentido, a
globalização pode forçar os governos a ser mais atentos às necessidades de seus povos.
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