Política Fiscal

A INEFICÁCIA DO AJUSTE FISCAL

 

Um fumante viciado provavelmente ouve, durante a maior parte de sua vida, que o fumo é prejudicial à saúde e que se ele não parar de fumar chegará um dia , no qual, seu organismo estará totalmente debilitado, principalmente o pulmão, e não haverá mais possibilidades de se eliminar o mau causado pelo cigarro. Alguns de seus amigos fumantes lhe dirão que isto é bobagem e que ele está no caminho certo na medida que obtém um grande nível de satisfação quando fuma um cigarro adicional. Além disso, as fábricas de cigarros estarão sempre ao seu lado lhe oferecendo cigarros de 'qualidades às vezes boa e às vezes ruins'.

Esta história se assemelha à trajetória recente da conjuntura econômica brasileira, mais especificamente do Plano Real.

Há mais de dois anos que boa parte da sociedade brasileira, principalmente aquela preocupada com as perspectivas econômicas e sociais, vem alertando para o mal que seria causado ao país se mantivesse o comportamento e o rumo dado ao plano de estabilização do governo.

Aos poucos, como no caso do cigarro, os efeitos colaterais perversos da política Neo-Liberal adotada começaram a surgir. O governo, na ânsia de obter um ganho adicional, preferiu encobrir os problemas e as feridas, optando por continuar com o mal maior , utilizando-se de todos os meios para reeleger-se.

Dessa forma, o governo federal, com sua política Neo-Liberal, conseguiu deteriorar ainda mais os problemas graves da saúde, da habitação, da educação, e, o que é o pior, aumentar o nível de desemprego.

A insistência do modelo adotado colocou o país numa situação tal que os tradicionais instrumentos macroeconômicos, disponíveis ao governo para intervir na economia, estão se tornando cada vez mais ineficazes. Com isso, pode-se imaginar que os ajustes propostos pelo governo não irão resolver o problema brasileiro e, com certeza, trarão prejuízos ainda maiores para a sociedade brasileira, na medida que se reduz a renda disponível individual ( sobretudo do funcionalismo público - bode expiatório do governo), se aumenta a taxa de desemprego, se diminuem os gastos nas áreas sociais, sem, portanto, " ferir ou cortar" os míseros ganhos financeiros. Nesse sentido é que se imagina que o pacote é um engodo e que nem a baixa das taxas de juros resolveria o problema. Por quê isso?

Pelo lado do pacote, para a obtenção de recursos financeiros desejado ( R$ 28 bilhões), será imposto à sociedade um sacrifício enorme, que será refletido através da diminuição do seu poder de compra e, sobretudo, de suas perspectivas de emprego.

As propostas de elevação das receitas via tributação irão, uma vez mais recair sobre a classe média e dessa vez as classes mais pobres serão também mais sacrificadas ( se é que se pode em falar em acréscimos de sacrifício nesse segmento). O aumento proposto para CPMF de 0,25% para 0,38%, o aumento da COFINS, de 2% para 3%, a manutenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física e a Contribuição Providenciaria dos servidores públicos federais caminham nesta direção.

No que se refere aos tributos fica evidente que a elevação da sua carga irá afetar diretamente os consumidores. A CPMF e a COFINS serão indiscutivelmente repassadas aos preços dos bens e serviços vendidos no mercado. Com isto quem as pagará será o consumidor final. A manutenção da atual carga tributária do Imposto de Renda e o aumento da Contribuição Providenciaria reduzirão de imediato a renda do consumidor, que já paga este imposto, e daqueles que trabalham na administração pública federal. Com isto pode-se esperar que estes mecanismos afetarão de forma efetiva a capacidade de compra dos consumidores, que com uma renda disponível menor irão comprar menos, contribuindo, portanto, também para um desaquecimento das atividades produtivas.

Os cortes previstos no pacote e no orçamento para o próximo ano ( R$ 8,7 bilhões ) complementam e aumentam os impactos negativos do pacote no que se refere à negra perspectiva que se pode vislumbrar para o país nos próximos 12 meses.

Além dos aspectos perversos dos cortes previstos para a área social ( saúde, educação,etc) , as opções apresentadas irão contribuir ainda mais para a diminuição do ritmo de crescimento da economia. Tais cortes refletem ainda o pensamento Neo-Liberal do atual governo, pois eles envolvem inclusive diminuição em gastos com a formação de infra-estrutura , como por exemplo rodovias. A previsão de que a economia brasileira irá produzir no ano que vem menos do que este ano, quando já se sabe que produziu-se muito aquém de nossas necessidades, por si só já mostra os efeitos perversos do pacote. Para uma economia que precisa crescer de 6% a 8% para absorver apenas as pessoas que entram anualmente no mercado de trabalho, tal perspectiva torna-se alarmante, com consequências sociais imprevisíveis.

Algumas das propostas apresentadas pelo pacote irão afetar também os Estados e os Municípios. O aumento do FEF de 20% para 30% irá diminuir os recursos para essas esferas de governo num momento em que suas finanças estão significativamente debilitadas. As causas que levaram a esta situação são diversas, mas, uma vez mais, o governo Neo-Liberal também teve uma parcela de culpa, na medida que desaqueceu a economia, aumentou as dividas dos Estados e dos Municípios maiores ( via brutal elevação dos juros) e retirou recursos dessas unidades de governo, como por exemplo, através da Lei Kandir, que no final só trouxe benefícios paras os grandes produtores exportadores.

Dessa forma, a leitura que se faz do ajuste fiscal é a de que ele é um engodo. Isto porque ele desaquecerá a economia, e dificilmente reverterá o déficit de 7% do PIB para um superávit qualquer. Mesmo que isto ocorresse, nenhum benefício seria gerado para a sociedade brasileira na medida que os recursos obtidos ele serviriam "apenas" para o pagamento dos juros da dívida, sobretudo a dos banqueiros internacionais. Ou seja , impõe-se um sacrifício aos pais brasileiros, para enviar os frutos disso aos filhos do primeiro mundo.

Assim, o pacote por si só pode ser criticado da forma que se queira e, no final, o resultado é o mesmo; ou seja , ele impõe sacrifícios em vão ao país ( isto é a uma grande parcela da sociedade brasileira).

Se o pacote é um engodo, e só serve para extrair recursos a serem enviados ao exterior, pode-se, também, ver que o problema está sendo atacado de forma equivocada. E, nesse sentido, nem a diminuição nas taxas de juros resolverão ou resolveriam o problema. Vejamos por quê.

A dívida pública brasileira gira hoje em torno de R$ 360 bilhões. Tal montante equivale a aproximadamente 41,3% do PIB ( estimado em aproximadamente R$ 870 bilhões). Mantidas as atuais taxas de juros de 49%, somente os encargos das dívidas iriam consumir um montante equivalente a R$ 170 bilhões. Tal valor equivaleria a 19,5% do PIB e a aproximadamente 63% da carga tributária brasileira.

Em relação a este ponto, dois argumentos têm sido apresentados tentando minimizar tal situação: o primeiro é o de que as taxas de juros praticadas hoje estão temporariamente num patamar muito elevado e que após a aprovação do pacote poderão ser diminuídas. O segundo, que inclusive engloba opiniões até mesmo de críticos do governo, é o de que o problema da crise está nos juros e que eles deveriam baixar. Ledo engano.

Se otimisticamente se admitir que as taxas de juros baixariam, ainda assim os problemas permaneceriam com ou sem ajuste fiscal. Isto porque caso os juros baixassem, eles chegariam no máximo às taxas praticadas antes da crise atual que giravam em torno de 24%. Este número, comparado aos patamares do de hoje, é extremamente baixo. Mas tanto hoje quanto no passado, já representaria a segunda maior taxa de juros praticadas no mundo. Os países asiáticos, Japão, México e Venezuela, que também estão em crise, praticam taxas de juros de um dígito, alguns deles com taxas menores de 4%. Ou seja, admitindo-se portanto a volta das taxas de juros do Brasil aos níveis de dois ou três meses atrás( 24%), ainda assim a crise permaneceria. Com esta taxa de juros, os compromissos dos encargos da dívida alcançariam a cifra de R$ 86,4 bilhões. Este valor equivaleria a 9,9% do PIB e a 32% do total da arrecadação tributária do país. Ou seja, se porventura o pacote proposto gerasse os recursos previstos ( R$ 23 bilhões) ainda assim eles seriam insuficientes para pagar apenas os encargos das dívidas. Isto é, este montante corresponderia a apenas 27% dos encargos previstos com a taxa de 24%.

Com isso, os 63% restantes seriam teoricamente incorporados ao estoque da dívida que ultrapassaria os R$ 400 bilhões. Dessa forma, para que houvesse possibilidade de pagamentos dos encargos da dívida, o governo teria que invocar aos deuses brasileiros para que, apesar dos estragos sociais, eles incorporassem um certo maquiavelismo e ajudasse na aprovação do pacote e que este gerasse, de fato, os R$ 23 bilhões e que o governo, num ato de rebeldia (sob o ponto de vista dos credores internacionais), baixasse as taxas de juros para 6% ao ano. Neste cenário os encargos seriam pagos e ainda assim o estoque da dívida permaneceria no mesmo patamar. Ou seja, mesmo neste cenário de contos de fadas estaríamos, ainda, já no curto prazo, no mesmo lugar. Porém, com menos emprego, pior ( se é possível) oferta de serviços de saúde pública, educação, segurança, etc.

A menos que haja grande equívocos nos argumentos e nos números apresentados, o raciocínio desenvolvido não deixa dúvidas quanto a ineficácia do pacote fiscal e até mesmo da diminuição das taxas de juros para patamares próximos aos praticados antes da nova crise.

Dessa forma, do mesmo jeito que quando o fumante é atacado pela efizema pulmonar, não adianta mais mandar-lhe para as montanhas respirar ar puro e caminhar, os instrumentos tradicionais de política econômica já não têm nenhum efeito para resolver a crise brasileira.

A proposta de ajuste apresenta apenas uma sobrevida quimioterápica para um pseudo sobrevivente com os dias contados.

Assim, resta-nos a indagar para que tanto sacrifício ?

Felizes são aqueles que vivem no mundo das ilusões e apenas acompanham o futebol e os pagodes. Para eles seu time poderá perder, só para contrariar. O resto não lhe é dado o direito de saber.

 

 

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