PACOTE, SETOR PÚBLICO E A INSTABILIDADE ECONOMICA E SOCIAL

 

A façanha do governo em conseguir manter os atuais níveis de inflação tem trazido também uma série de outros problemas, sendo que alguns deles têm-se agravado na medida que o plano de estabilização prossegue na sua trajetória de ajustes e de dependências fundamentais.

As recentes crises nas bolsas internacionais, que ainda não foram totalmente sanadas, deixaram o País apreensivo quanto aos impactos que elas provocaram e que poderiam provocar num outro momento de turbulência internacional. As reações ocorridas no governo e em diversos segmentos da sociedade brasileira não deixam dúvidas quanto à fragilidade da estabilidade brasileira baseada fundamentalmente na âncora cambial.

A medida inicial do governo em aumentar as taxas de juros para conter a saída dos recursos financeiros externos aplicados no pais conseguiu, momentaneamente, o objetivo desejado. Ou seja, com as taxas de juros elevadíssimas, superiores a 40% ao ano, sendo em alguns casos 6 vezes maiores do que as melhores opções de juros no mercado internacional, foi possível induzir o aplicador internacional a correr o risco de deixar seus recursos aplicados no Brasil. Porém, esta elevação das taxas de juros repercutiu numa série de problemas internos que trarão, no médio prazo, conseqüências danosas para a sociedade brasileira.

As taxas de juros altas são um grande atrativo para o aplicador do mercado financeiro mas totalmente desestimulantes para as atividades econômicas produtivas. Com a sua significativa elevação e o patamar por elas alcançado é praticamente impossível se pensar em qualquer alteração nos níveis de investimentos no pais. Aliás, ela contribui até mesmo para inibir iniciativas já tomadas neste campo. Como se isto não bastasse, a sua elevação tem o efeito de retrair o consumo, devido ao custo do crediário, e a conseqüência imediata é o desaquecimento das atividades produtivas. Estas aliás, já apresentavam, há alguns anos, e no período recente, um ritmo de crescimento muito aquém do necessário para a geração de empregos suficientes para a absorção dos desempregados e dos que ingressam no mercado de trabalho. Por este lado, a manutenção das taxas de juros neste patamar não traria nenhum beneficio ao pais tanto sob a ótica do emprego quanto do crescimento das atividades produtivas.

Pelo lado do ajuste fiscal do governo, esta elevação das taxas de juros são extremamente danosas. O que o governo terá de acréscimo nos seus custos com o pagamentos dos encargos da dívida é superior aos seus gastos com saúde e educação . Tendo por base uma dívida líquida do setor público de R$ 287 bilhões com a atual taxas de juros de 40% ao ano, haverá um custo da elevação dos seus encargos de aproximadamente R$ 110 bilhões ( não considerando a possível capitalização dos encargos) Este valor é absurdamente elevado quando se considera que ele corresponde a quase a metade da carga tributária total do pais. Dessa forma, percebe-se que a manutenção dos atuais níveis de taxas de juros é extremamente danosa para nossa sociedade. Além dela inibir qualquer iniciativa que haja em relação ao aquecimento das atividades produtivas ela é, ainda, extremamente negativa para as finanças públicas. Em relação às atividades governamentais, vê-se que cada vez mais o governo tem menos recursos disponíveis para a realização de suas atividades básicas, dada a necessidade de alocar mais recursos aos seus compromissos com as dívidas. Compromissos estes que nada têm a ver com os interesses maiores da sociedade brasileira, principalmente com as das camadas médias e pobres.

EFICÁCIA DO PACOTE FISCAL

Ao passar alguns poucos dias do cerne da crise internacional que afetou o Brasil e do anúncio do pacote fiscal do governo, fica evidente que ele foi utilizado mais como um instrumento de política do que uma alternativa de solução dos problema gerados pela crise e dos problemas estruturais básicos do país.

A argumentação básica do pacote era a de que precisava ser feita uma série de ajustes internos a fim de prevenir-se de uma nova crise e, também, com o objetivo de dar alguma sinalização ao mercado internacional( principalmente ao investidor internacional) de que o governo estava tomando providências no sentido de resguardar-se de ataques especulativos internacionais.

Porém, ao se analisar com mais detalhes os conteúdos das medidas, percebe-se dois fatores importantes: primeiro elas serão totalmente inócuas do ponto de vista de acertos nas contas públicas e, segundo, elas trarão um sacrifício ainda maior para os investimentos, empregos e para a classe média, com efeitos também sobre as classes mais pobres. Do ponto de vista dos gastos, a demissão prevista de 33 mil funcionários, a extinção de 70 mil cargos (existentes mas não preenchidos, não representando, portanto, gastos) e o não reajuste de salários dos Funcionários públicos são medidas que poderiam ser tomadas em qualquer momento e que do ponto de vista de ajuste não tenham qualquer efeito. Qualquer mudança por menor que seja nas taxas de juros terá um efeito nos gastos muito superior a estes irrisórios (em termos relativos) cortes de gastos. Alguns dos outros cortes programados como os 6% no valor dos projetos previstos para o próximo ano, o corte nos valores de bolsas de estudos a serem pagas, etc. são também medidas residuais que não terão nenhum impacto significativo nas contas do governo, mas que terão impacto negativo nas atividades básicas de governo, principalmente os cortes de recursos de bolsas para a educação ,o que mostra o grande descaso do governo quanto a este setor e de um presidente que teve toda sua formação e sua vida acadêmica obtida através de recursos públicos.

Do ponto de vista das receitas as medidas tomadas trarão alguns recursos adicionais para o governo, porém obtidos de forma injusta. Aumentos de tributos via indireta são extremamente injustos. Eles têm a característica básica de terem um maior ônus para as classes de renda mais baixa. Deve-se, porém, ressaltar, que no caso do IPI as medidas tomadas servirão também como uma forma de regular as importações. As mudanças feitas no imposto de renda ainda foram muito tímidas sob o ponto de vista de ajustes estruturais e de justiça, A alteração na faixa superior da tabela redundará num acréscimo adicional de renda. Sob uma ótica mais superficial poder-se-ia dizer que neste caso estar-se-ia aplicando um critério de justiça, na medida que seriam as classes de rendas mais altas que pagariam mais impostos. Porém, esta conclusão não é de toda verdadeira uma vez que existe uma série de outros elementos a serem incorporados na análise, que mostra a complexidade da questão e de que de fato o que se deu foi um passo de filhote de tartaruga em direção a justiça tributária.

REFORMAS E A INSTABILIDADE ECONOMICA

A crise recente no setor externo serviu tambérn para que o governo, "oportunísticamente" falando, colocasse em discussão a necessidade de se implementar as reformas estruturais que segundo ele são fundamentais para a manutenção da estabilidade monetária.

Tal oportunismo é evidenciado a cada passo na medida que se percebe que, embora reconhecendo a necessidade de se promover algumas dessas reformas, no final elas não têm nada a ver corno os problemas recentes criados pela crise do mercado financeiro internacional.A estabilidade monetária do país permanece ainda extremamente vulnerável a fatores externos e, seguramente, nenhuma das medidas internas até agora tomadas, serão capazes de dar garantias suficientes e eliminar a grande vulnerabilidade do Plano Real: a especulação financeira internacional. O País já não tem mais cacifes para enfrentar qualquer outra instabilidade externa. A privatização "desordenada" ocorrida até agora e o que ainda poderá entrar neste balaio de vendas, não resolveu e em nada resolverá no programa básico do govemo. Para uma dívida publica de R$ 288 bilhões qualquer variação brusca nas taxas de juros levam de uma só tacada recursos equivalentes aos obtidos com a venda da Vale do Rio Doce, das Companhias de Telecomunicações etc. tornando permanente a desestruturação fiscal do governo.

Fica portanto evidente que mudanças paliativas são rapidamente absorvidas pelo sistema especulativo internacional e em nada resolvem na estrutura social, política e econômica do país. Enquanto a sociedade brasileira não arrumar uma forma de mudar estruturalmente nosso sistema político, de definir com clareza o papel e as funções do governo e de buscar uma forma mais justa de financiamento dessas funções estaremos ainda por muito tempo sujeitos a medidas paliativas que em nada resolvem nossa situação. E imperativo promover o crescimento econômico do pais para gerar mais renda e mais empregos e adotar critérios mais justos de financiamento dos gastos do governo através de um programa consistente e coerente de combate à sonegação.

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