O déficit público operacional de 3,3% do PIB registrado para o setor público
consolidado - Governo Central, Estatais Federais e Estados e Municípios - até o mês de
agosto, confirma as dificuldades enfrentadas pela equipe econômica governamental para
equilibrar as contas públicas e garantir a construção dos fundamentos fiscais do plano de
estabilização em curso, de forma a descortinar um horizonte mais confiável para os agentes
econômicos que poderia ser propiciado com a maior flexibilização das políticas cambial e
monetária. Dificuldades que, em virtude da não concretização de importantes reformas do
Estado, em 1995 como já sinalizam uma situação preocupante para 1996. De fato, embora
contanto com receita da ordem de R$ 15 bilhões, cujos projetos ainda estão para ser
apreciados pelo Congresso - sem terem assegurada, portanto, sua aprovação - como os que
dizem respeito ao IR-empresas, à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF), etc. O orçamento geral da União do próximo ano continua ostentando um déficit
estimado em R$ 3,8 bilhões, o qual poderá ver-se magnificado caso não sejam aqueles
sancionados pelos parlamentares. A menos que se realizem cortes nos gastos projetados em
função da frustração das receitas, colocando áreas sociais vitais, como a da saúde, por
exemplo, em dificuldades.
Na verdade, mesmo se aprovado, ainda este ano, o projeto de reforma tributária
encaminhado pelo governo ao Congresso para aprovação e que já teve a apreciação de sua
principal peça - as alterações na sistemática de incidência do ICMS e do IPI - postergada
para 1996, não seria capaz de gerar os recursos necessários para a garantia de equilíbrio
fiscal. Com suas principais alterações previstas para entrarem em vigor em 1998, o projeto
pode implicar reduções de receitas no curto prazo, especialmente para estados e municípios,
exigindo a criação de mecanismos de compensação por parte do Governo Federal. Diante
disso, somente com as alterações previstas no IR-empresas, à medida que se manterá para o
IRPF praticamente a mesma estrutura, poder-se-á, se aprovado pelo Congresso, contar com
receitas adicionais estimadas em R$ 5,7 bilhões, já incorporados ao OGU de 1996. Diante
deste quadro, não tem restado ao governa pressionar, por um lado, para aprovar, por mais
quatro anos, o Fundo Social de Emergência (FSE) e, por outro, para que estados e
municípios, cuja responsabilidade na formação do défict operacional registrado até agosto
atingisse o percentual de 75%, o correspondente a 2,5% do PIB, promovam um rigoroso
ajuste em suas contas.
Criado em 1994 como instrumento de travessia do Plano Real por um período de dois
anos, até que se tivesse concluído o ajuste fiscal de forma duradoura que se perseguia com a
pretendida realização das reformas estruturais, o Fundo Social de Emergência (FSE), que
movimentou no último biênio recursos superiores a R$ 30 bilhões, tem encontrado,
entretanto, resistências para sua prorrogação no prazo e condições pleiteados pelo governo,
junto aos parlamentares, baseados nos seguintes argumentos: a) na perda de recursos,
estimados em R$ 1,6 bilhão para 1996, que representa para estados e municípios; b) nos
beneficiários de suas aplicações, que não condizem com o objeto de sua criação - as áreas
sociais; c) no prazo solicitado para sua prorrogação, considerado exagerado, dadas suas
características de transitoriedade e de instrumento de travessia até a conclusão do ajuste
fiscal.
Com recursos de R$ 22 bilhões estimados para 1996, o Fundo, apesar das resistência
dos parlamentares, encaminha-se para ser aprovado, mas com as seguintes alterações
sugeridas pelo relator do Projeto: a) alteração de seu nome para Fundo de Estabilização
Fiscal, que se apresenta mais condizente com a natureza de seus propósitos; b)
obrigatoriedade de publicação, no Diário Oficial, de balancetes trimestrais com um
demonstrativo das aplicações de suas verbas, visando aumentar os instrumentos de controle
do Congresso sobre os gastos com ele efetuados; c) destinação dos recursos para o Fundo
somente após a realização da transferência da parcela a que têm direito estados e municípios
no bolo da receita dos impostos federais, o que deve reduzir o seu montante em algo
equivalente a R$ 1,6 bilhão; e d) prorrogação de sua vigência apenas por 18 meses,
considerando que com a realização das reformas tributárias e previdenciária, previstas para
1996, extinguem-se as razões que o justificaram. Alterações que devem se traduzir em
dificuldades adicionais para a gestão das contas públicas.
A outra frente que vem sendo pressionada, com ênfase, pelas autoridades
governamentais para o ajuste das contas públicas, refere-se ao segmento dos estados e
municípios. Penalizados pela políticas de juros estratosféricos e com receitas comprometidas
com uma folha de pagamento, que em alguns casos ultrapassa o percentual de 90%, estados
e municípios, com uma dívida total estimada em cerca de R$ 70 bilhões (R$ 35 bilhões em
títulos, R$ 30 bilhões de dívida contratual e R$ 3 bilhões de Antecipação de Receita
Orçamentária) têm se apresentado como os principais responsáveis pelo desajuste das contas
públicas. À beira da insolvência, têm assistido a ênfase do ajuste deslocar-se do âmbito
federal para suas finanças, com o governo, usado o processo de renegociação de suas dívidas
como moeda de troca, exigindo apoio à aprovação das reformas e do FSE, à suspensão de
novas contratações de ARO e ao enxugamento de pessoal de suas máquinas administrativas.
Neste processo, ainda em curso, a reforma administrativa que foi colocada como
indispensável para a redução das folhas de salários dessas administrações e que, em outra
situação, certamente encontraria maiores resistências para ser aprovada, terminou sendo
admitida, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, por 27 votos contra 23,
para apreciação do Congresso Nacional. Embora modificada em alguns de seus pontos
originais, dadas as negociações exigidas para sua aprovação na Comissão, como as que se
referem à observância dos gastos com pessoal serem superiores a 60% para justificarem-se
demissões de pessoal, à priorização de que estes não sejam concursados e à data limite de
1998 para o ajuste pretendido, certo é que, tendo de passar pelo crivo da Comissão Especial
e da plenária do Congresso, começam a se abrir os caminhos para se aliviar e se refletirá nas
contas federais, em funções da dimensão e amplitude que venham a alcançar o processo de
renegociação da dívida.
A necessidade de ajuste das contas públicas tem se tornado crescentemente urgente
para dar solidez ao programa de estabilização em curso, que não pode, para continuar
angariando os atuais frutos no front inflacionário, sustentar-se, por mais tempo, em uma
paridade cambial defasada e em taxas de juros estratosféricas, sob o risco de provocar
estragos, de difícil correção, no comércio exterior, no tecido econômico e nas próprias
finanças públicas. Sua solução não constitui, entretanto, apenas desnuda dificuldades que
terão de ser enfrentadas e a corrida contra o tempo que terá de ser vencida para que o Plano
não naufraguem na fragilidade da âncora fiscal.