Economia de BH

II- O processo de flexibilização das relações de trabalho e de precarização dos contratos e a redução das taxas de desemprego

 

Os anos noventa tem sido marcados por mudanças significativas ao âmbito da estrutura e organização econômica mundial. O processo de integração de mercados vem ocorrendo, simultaneamente à modernização da estrutura produtiva das empresas nas mais diversas economias mundiais. Nos últimos anos, a modernização dos parques produtivos se intensificaram em função da difusão de novos padrões tecnológicos, de formas de gestão, gerenciamento e da flexibilização dos contratos de trabalho em diversos países.

 

A abertura das economias e das respectivas fronteiras econômicas dos Estados Nacionais exige a cada dia, o desenvolvimento de estratégias concorrênciais por parte das empresas que deparam-se com a necessidade crescente de ampliar os investimentos a fim de elevar a produtividade e, conseqüentemente, a competitividade de seus produtos em um mercado cada vez mais verticalizado.

 

Essas modificações estruturais foram acompanhadas de uma crise profunda no que se refere ao modelo de Estado de bem-estar. Neste final de século, atribuiu-se ao estado o papel de causador de mal-estar ao mercado, pois este não permitiria ao mercado tornar-se o grande responsável pela manutenção da estabilidade e regulação econômica das sociedades contemporâneas. A saída encontrada pelos governos, principalmente aqueles considerados emergentes, que seguiram esta linha de pensamento de orientação neoliberal, têm sido, até o momento, a de privatizar serviços essenciais ainda prestados pelo Estado e aprovar reformas capazes de favorecer e ampliar a participação das empresas privadas na economia.

 

No início dos anos noventa esta restruturação do Estado e das economias foi considerada como uma fase próspera e inovadora por elevar o retorno positivo dos investimentos e por estabelecer uma nova organização da produção e do mundo do trabalho. Este modelo que consolidou a visão que era necessário manter o "Estado Mínimo" e permitir maior participação do mercado, somado aos novos desafios advindos da indução de novas tecnologias decorrentes da inovação tecnico-científica desencadearam processos poupadores de força-de-trabalho.

 

Enfim, a emergência de padrão de acumulação considerado "novo" encontrava-se também interligado ao surgimento de economias e empresas que foram capazes de darem a tônica neste processo decorrente da introdução de técnicas de produção e de gestão, alterando significativamente os fatores determinantes da competitividade ao âmbito tanto dos mercados locais e regionais quanto internacionais.

 

Neste período, os países asiáticos foram considerados como modelo a ser seguido, principalmente, para as economias latino-americanas. A grande diferença destacada entre estes países e aos demais, referia-se ao mundo do trabalho, caracterizado pelo baixo custo da mão de obra e a existência de relações de trabalho muito flexíveis e informais, não atendendo aos mesmos direitos trabalhistas, considerados então como causadores da queda da competitividade de produtos ofertados pelas empresas atuantes em outros países que mantinham relações de trabalho consideradas mais rígidas.

 

Outra parte deste processo de restruturação esteve associado a difusão de Programas de Qualidade, com objetivo de racionalizar a produção, elevar a participação dos trabalhadores(as) na gestão das tarefas e rotinas, aumentando o grau de responsabilidade e eliminando postos e hierarquias no interior da empresa, selecionar a força-de-trabalho e implementar padrões de controle de qualidade na produção e oferta de bens e serviços.

 

Inicialmente, as economias em vias de desenvolvimento, tais como: a argentina, a mexicana, a brasileira, a peruana, entre outras não conseguiram acompanhar de forma tão satisfatória a estas mudanças estruturais na esfera produtiva. Além disso, estas economias enfrentaram outros dilemas conjunturais que implicaram na adoção de políticas econômicas restritivas, monitoradas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e orientadas por uma tese que visava manter o controle sobre a taxa de inflação e acabaram gerando ao longo do tempo, a queda nos investimentos, do nível de emprego, culminando na redução do PIB.

 

No entanto, nos meados dos anos noventa, as economias que adotaram estes planos de estabilização, tal qual a brasileira, conseguiram de maneira exitosa, reduzirem as taxas de inflação, porém passaram a enfrentar outros dilemas tais como: o crescimento do endividamento interno, do déficit público, decorrente da manutenção das altas taxas de juros; uma política de câmbio rígida ou monitorada, tal como a política das bandas cambiais praticadas no Brasil que representou grande ameaça para a estabilidade em função dos indícios de crise e ameaça de saída de capitais de risco da economia; a queda das exportações decorrente da queda da produção destina ao mercado externo e da política de abertura implantada indiscriminadamente sem estudos dos impactos setoriais, resultando na falência de setores e atividades, principalmente àqueles intensivos em capital humano.

 

O crescimento do desemprego também se configurou, neste mesmo período, nos países europeus, pois estes se depararam com a elevação das taxas de desemprego, em muitos casos bem acima da taxa brasileira, principalmente nos grandes centros urbanos. Observa-se ainda que o desemprego da força-de-trabalho apresentou um crescimento tanto em, função da restruturação produtiva, quanto pela implementação de uma política de ajuste ( redução do déficit público, saída do Estado de determinados setores da economia, redução de subsídios e da produção de produtos fora da cota acordada entre os países membros).

 

Estas medidas causaram impactos diferenciados também nas economias europeias, a Espanha, a Itália e Portugal tiveram que sanear suas economias, com o objetivo de equipara-las ao padrão das economias mais prosperas tal qual a alemã e a francesa. No entanto, o crescimento das taxas de desemprego não sofreu redução significativa, requerendo políticas de intervenção pelos governos. A proposta de flexibilização e da precarização dos contratos de trabalho foi colocada enquanto uma das saídas para propiciar a redução das taxas de desemprego. A política adotada na Espanha é elucidativa no que concerne a adoção de políticas de flexibilização dos contratos trabalhistas.

 

Em 1994 a taxa de desemprego na Espanha foi superior a 20%, em abril de 1998 a taxa foi equivalente a 19,6%. De acordo com os dados divulgados pela Confederal de Comisionnes Obreras (1998) em um documento oficial referente ao acordo firmado entre trabalhadores e governo para a estabilidade do emprego, publicado no primeiro trimestre de 1998, dos 3.173.000 trabalhadores desempregados, 54% eram mulheres e se encontravam na faixa etária de 20 a 54 anos. Esta redução da taxa de desemprego foi atribuída ao crescimento da contratação indefinida e temporal. De maio de 1997 a abril de 1998 10.606.669 contratos foram realizados, sendo que 9.669.604 foram temporários e 937.065 fixos.

 

Observou-se ainda que, em 1997, foram as pequenas empresas espanholas ( com até 25 trabalhadores(as)) que estabeleceram e firmaram 74% dos novos contratos indefinidos e que estas empresas se situavam no setor serviços e da construção e têm preferência pela mão de obra masculina, na faixa etária entre 20 a 45 anos e com baixa escolaridade. Já os contratos de tempo parcial se concentraram na faixa de 20 a 29 anos, com predominância da mão de obra feminina. Além desses contratos, foram criados os contratos formativos em substituição ao estágio ou de aprendizagem e em um ano foram firmados 21.000.

 

Diante de todos estes dados e avanços alcançados em relação ao desemprego na Espanha, a situação é bastante preocupante, dado que a flexibilização dos contratos de trabalho não permitiram que este país reduzisse substancialmente sua taxa de desemprego, pois esta equivalia a 19,6% em abril de 1998. No entanto, o custo de contratação da mão de obra reduziu-se bastante já que 90% dos contratos de trabalho realizados de maio de 1997 a abril de 1998 foram temporários.

 

No Brasil, o quadro não é tão diferenciado, pois em torno de 40% dos trabalhadores(as) brasileiros trabalham com carteira assinada e encontram-se inseridos no mercado formal. O restante encontra-se na informalidade sem nenhum direito social previsto em lei. Esta situação se configura nas maiores capitais do país, onde nos deparamos tanto com o crescimento das taxas de desemprego causados pelas inovações tecnológicas e pela queda da produção interna em função da redução das atividade no setor industrial e de serviços, quanto pela falta de mensuração do trabalho considerado temporário e informal.

 

Além destes problemas, outros dilemas tais como: a pobreza, a falta de qualidade de vida de parte significativa da população e a concentração da riqueza e da renda requerem ações e soluções plausíveis para que o país deixe de ocupar o 68º no ranking mundial no que tange ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

 

Em 1995, o desemprego também atingiu a força-de-trabalho feminina, pois, em torno de 12% da PEA feminina em MG, isto é, 85 mil trabalhadoras encontravam-se fora do mercado de trabalho formal. Sendo que somente uma empresa de grande porte mineira da indústria têxtil, a Cedro e Cachoeira, demitiu 1300 trabalhadoras. Já a indústria paulista, considerada a primeira do país, reduziu em torno de 158 mil vagas neste mesmo ano.

 

No início de 1996, constatou-se que ocorreu certa redução dos postos de trabalho no setor industrial no Brasil. Esta queda foi explicada pela racionalização do uso da força-de-trabalho por parte das empresas e pelo uso de tecnologias poupadoras de mão de obra. A Região Metropolitana de Belo Horizonte retratava bem este quadro, pois, já contava com 11% da PEA desempregada.

 

Neste mesmo ano, o governo brasileiro, através do Ministério do Trabalho, diante do crescimento do número de desempregados e da redução do número de trabalhadores no mercado formal apresentou uma proposta de gerar novos empregos através da adoção de algumas medidas, são as que se seguem: reduzir os encargos sociais pagos pelas empresas; financiar programas de capacitação e formação da mão de obra desocupada e/ou a procura de um posto de trabalho.

 

A aprovação de uma série de reformas como a da previdência social, dos cortes de direitos adquiridos, da flexibilização dos contratos de trabalhadores e da jornada de trabalho, também foram colocadas como alternativas para incentivar a geração de empregos no país. No entanto, estas medidas não foram capazes de propiciar a redução das taxas de desemprego, principalmente nas regiões metropolitanas.

O crescimento do emprego da mão de obra na informalidade no país e a tendência recente das grandes empresas em terceirizar as atividades-meio, com a finalidade de reduzir custos da produção e de dar maior flexibilidade às empresas em suas atividades principais, tem propiciado o crescimento da ocupação da força de trabalho, mas a grande maioria trabalha sem seguridade. Pode-se observar ainda que as profundas modificações que ocorreram na estrutura produtiva vem favorecendo o processo de encolhimento das fábricas (redução do tamanho da planta da empresa, devido ao uso intensivo de tecnologias de última geração e redução do número de empregados no interior da firma) e o deslocamento de plantas de fábricas de uma região para outra.

Este processo tem se intensificado com a guerra fiscal travada entre os estados e municípios e pela disponibilidade de mão de obra mais qualificada e com menor poder de negociação coletiva.

 

É importante ressaltar, que nem sempre as empresas que foram criadas para desenvolverem essas atividades-meio são registradas e/ou respeitam os direitos trabalhistas de seus empregados, muitas vezes são mantidos nos mesmos postos de trabalho sem a assinatura da carteira profissional.

 

Segundo os dados divulgados pelo atual ministro do Trabalho, Edward Amadeo "dos 560 mil postos de trabalho fechados entre nov. de 97 a fev. de 98, 407 mil foram recuperados entre março e maio deste mesmo ano" . Ressaltou em seguida em recente entrevista que uma das metas do governo é extinguir o poder normativo da justiça do trabalho para que as negociações coletivas ocorram de acordo com a realidade das empresas e que a estabilização econômica é a melhor política de geração de empregos. (Folha de São Paulo, 21 de julho de 1998, cad. n.2, pag-1)

 

No entanto, a política de estabilização não criou até o momento, condições efetivas para garantir uma redução muito significativa da taxa de desemprego, pois de acordo com os dados divulgados pelo IBGE (1998), as principais cidades metropolitanas apresentaram em junho um desemprego equivalente a 7,9%, sendo que em relação ao mês anterior esta se igualou a 8,2%. Outra fonte de preocupação por parte dos pesquisadores do IBGE refere-se ao crescimento do número de desempregados que já somam 1,37 milhões de trabalhadores(as). Outra questão a ser analisada é a ocorrência de um possível crescimento do desalento da força-de-trabalho. (dados divulgados pela FSP, cad. n.1, Iº de agosto de 1998. pág. 3)

 

Um fato preocupante refere-se à redução de atividades em setores significativos para a manutenção do emprego ao âmbito do país e dos estados. De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo CAGED/MTB ocorreu uma queda no índice de emprego na segunda economia do país, pois em Minas Gerais este índice foi igual a -0,11% entre janeiro a março de 1998. Sendo que somente os setores do comércio (3,06%), serviços 0,99% e administração pública 0,24% apresentaram variação positiva.

 

A Região Metropolitana de Belo Horizonte também seguiu esta mesma tendência e obteve um desempenho negativo igual a -0,27%. Constatou-se neste mesmo período, que a geração de emprego na RMBH foi negativa e apresentou uma redução de -6.072 postos no total, sendo que só no setor da industria de transformação esta queda foi equivalente a -5.503. (Diário do Comércio, 1º de Julho de 1998, pag.6) Os dados divulgados pela (PED-FJP/SETASCAD-MG) indicam que as taxas de desemprego no total na RMBH, referentes ao mês de abril continuaram elevadas, correspondendo a 15,9%. Sendo que em abril de 1997 esta taxa igualou-se a 13,5%.

 

Esta elevação da taxa de desemprego total na RMBH foi atribuída "... à relativa estagnação do nível ocupacional que decresceu 3,3% em relação a dez-1997; (...) a taxa de participação no mercado de trabalho, atingiu 57,8% (abril-1998), ficou pouco acima em relação a de abril de 1997(57,7%)". (FJP/SETASCAD-MG- PED) Este quadro pode ter se configurado em decorrência do crescimento demográfico na região metropolitana de BH sem o acompanhamento e crescimento da oferta de novas ocupações. Outra questão a ser mencionada que elucida a questão mencionada, anteriormente, trata-se da expansão da PEA na RMBH que em abril de 1998 correspondeu a 1.868.000 e em dezembro de 1997 a 1.864.000, sendo que o nível ocupacional não cresceu o suficiente para acompanhar este aumento da PEA, haja vista que em abril de 1998 equivalia a 1.571.000 e em abril de 97 chegou a 1.570.000. (PME/IBGE in DC, 1º de Julho de 1998, pag- 7) .

 

O setor de atividade econômica da RMBH que contribuiu com o aumento de 2,5% do estoque de ocupados nos últimos quatro meses foi o do comércio, já a industria 7,2%, a construção civil 4,4% e de serviços 1,4% apresentaram estas respectivas quedas. Entretanto, de abril de 1997 a abril de 98 o contingente de ocupados na atividade do comércio apresentou uma elevação de 4,2% e o de serviços 2,4%, já a indústria sofreu uma redução de 0,4% e a construção civil de 3,0%. (op.cit:1998,pag-7)

 

Uma questão positiva a ser observada é a ocorrência de uma redução relativa do processo de contratação sem carteira assinada e por conta-própria na RMBH, em uma conjuntura bastante desfavorável no que concerne a geração de novas ocupações e do aumento do estoque de ocupados. De acordo com os dados publicados pelo IBGE/FJP/CEI, referentes a jan. e abril de 1998, por posição de ocupação, em relação à população ocupada na RMBH, sucedeu-se uma redução de 2,2% no processo de contratação sem carteira assinada na atividade privada e de 2,4% na atividade pública e de 7,2% no total dos autônomos. A redução das contratações sem carteira assinada e precarizadas é alentadora, porém é importante ressaltar que é necessário obter dados referentes à economia informal na região da grande BH e na própria capital para que possamos aprofundar nestas questões relacionadas à redução do número de contratos sem proteção social existentes na capital ou na RMBH.

 

No entanto, mesmo com estas modificações tão significativas ocorrendo ao âmbito das relações de produção e do trabalho, constata-se a falta de políticas e de programas sociais governamentais que atendam às necessidades da maioria da população marginalizada, haja visto que em abril de 1998, 16% da PEA encontrava-se desempregada na RMBH (dado elaborado pela FJP/CEI-1998).

 

Estas preocupações não se encontram restritas ao poder local ou em uma nação específica, pois é um problema de dimensão mundial. A experiência espanhola em relação a flexibilização dos contratos de trabalho é um exemplo de como um setor da sociedade buscou soluções, mesmo que paliativas, frente aos seus dilemas relativos ao crescimento do desemprego. Entretanto, estes atores sociais não se restringem em atribuir a um plano econômico de estabilização a função de gerar novos postos de trabalho e reduzir a taxa de desemprego nas comunidades autonômas e em todo o país.

 

Recentemente, o vice-presidente e economista - chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, em recente entrevista publicada em um jornal em circulação nacional ressaltou ser necessário repensar o modelo e as políticas contracionistas e recessivas implementadas em diversos países, inclusive na América Latina. O papel e a função do Estado seria o de promover o desenvolvimento sustentável, igualitário e democrático. Todavia, estas recomendações já tinham sido feitas por muitos cidadãos(ãs) ao longo de todos estes anos no Brasil, mas não tiveram a mesma respeitabilidade e repercussão junto ao governo atual.

Diante deste quadro o governo apresentou no início do mês de agosto, a proposta de criar "a demissão temporária e a bolsa – qualificação", na tentativa de reduzir o número de demissões e vincular a liberação do seguro-desemprego ao processo de qualificação da mão de obra. De acordo com o ministro do trabalho, Edward Amadeo, este modelo é uma adaptação do americano, chamado de "lay-off". No entanto, o ministro do trabalho ressaltou que este modelo já enfrenta certa dificuldade para ser implementado no Brasil, dado que o envolvimento das empresas americanas é de suma importância para a obtenção de êxito do modelo, o mesmo não se sucede no pais, pelo fato do trabalhador brasileiro ser visto ainda como uma peça descartável por parte de determinados segmentos empresariais.

 

Portanto, não há como negar ou deixar de atribuir ao Estado o papel de encontrar alternativas que não fiquem restritas somente à manutenção da política de estabilização em curso ou fechar os "olhos" ao seu caráter recessivo. É tarefa árdua para os governantes comprometidos com a construção de uma sociedade mais igualitária tentar encontrar soluções e/ou atenuantes para conter o crescimento do desemprego e a precarização das relações de trabalho.

 

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