Mercado Financeiro e Política Monetária

No Plano Real a manutenção de taxas de juros reais positivos altas foi um elemento importante da estratégia geral, sendo utilizada para manter - e acelerar- a queda da demanda agregada, além de funcionar como atrativo para o fluxo de capitais externos. Como para o governo era necessário um desaquecimento ainda maior da demanda agregada, além do propiciado pela alta dos juros, lançou-se mão, a partir de março, de uma série de limitações quantitativas sobre o volume de recursos disponíveis para o crédito bancário, como redução do prazo dos empréstimos, aumento de depósitos compulsórios sobre os depósitos, imposição de depósitos compulsórios adicionais sobre a oferta de crédito e até mesmo sobre os meios não convencionais como os pré-datados e as "factorings". Isso resultou na limitação dos créditos e no aumento dos "spreads" entre as taxas básicas de juros e as taxas de captação de recursos. Esses mecanismos provocaram uma inédita crise de liquidez na economia, com uma elevação exponencial da inadimplência e terminou por afetar a saúde do comércio - que apresentou uma elevação do número de falências e concordatas, atingido a grandes empresas do setor como a Casa Centro e Mesbla- e do próprio sistema financeiro, que culminou com a liquidação extrajudicial do Banco Econômico , Mercantil e Comercial de São Paulo. Em BH os primeiros 8 meses do ano apresentaram um total de 736 pedidos de falência, 187,5% a mais que no mesmo período em 94. Destes, 529 foram no segundo quadrimestre do ano, o que demonstra uma aceleração na inadimplência. Em São Paulo constata-se um crescimento de 20,99 % de agosto sobre julho no referente a falências requeridas e um recuo de 16,36% nos pedidos de concordata.

Os indícios de que a "freada" na economia poderia resultar em "trombada" levou o governo, a partir de maio, a reduzir gradualmente os controles e restrições ao crédito. Apesar do nível atual dos juros continuar alto em relação ao internacional, nota-se uma gradativa - e limitada- redução na taxa de juros efetivas ( considerando-se apenas os dias úteis) pagas pelas LFTE , que foi de 4,38% ao mês em abril e 4,45% em maio passou a 4,23% em junho, 4,04 em julho, chegando a 3,97% em agosto. As projeções da Bolsa de Mercadoria e Futuros acusam uma queda ainda maior , de 3,16 % para setembro, 2,94% em outubro e 2,78% em novembro.

Outro conjunto de medidas foi a redução dos compulsórios, que visou reduzir a crise de liquidez dos bancos. Em 17 de agosto, o recolhimento do compulsório sobre os depósitos a prazo foi reduzido de 30% para 20% , enquanto o sobre as operações de crédito passou de 10% para 8%. .Esta última medida visa favorecer os bancos pequenos, que sofriam o chamado "empoçamento de liquidez". Com a crise de confiança gerada pela liquidação do Econômico, os grandes Bancos tem preferido aplicar seus recursos em títulos do Governo, ao invés de os repassarem aos bancos menores , através do interbancário, apesar de sofreiem prejuízo, isto é redução no rendimento auferido, nesta troca. Com essa medida o governo devolveu aos bancos R$ 2,09 bilhões, sendo R$1,9 bilhão em títulos públicos.

Em 23 de agosto, o BC reduziu também o compulsório sobre a poupança, que cai de 30% para 15%. Com essa medida, são liberados para os bancos R$ 10,8 bilhões, sendo R$2,8 bilhões em dinheiro. A medida implica, também , em possibilitar que esses recursos adicionais sejam emprestados livremente pelos bancos, ficando obrigados a aplicar em financiamento habitacional apenas os 70 % tradicionais, enquanto que 15% continuarão retidos em dinheiro, como compulsório.

Em 31 de Agosto, o BC adota um conjunto de medidas destinadas a reduzir a crise de liquidez:

- redução do IOF sobre Operações Financeiras, de 18% para 15% para pessoas físicas e de 18% para 6% para financiamentos a imóveis não residenciais.;

- aumento do compulsório previsto para os novos fundos de investimento com prazo de resgate inferior a 30 dias, de 35% para 40%, redução de 10% para 5% nas aplicações de 30 a 60 dias e eliminação do compulsório sobre aplicações acima de 60 dias;

- As pessoas físicas com dívidas vencidas nos bancos até o último dia 31 de julho podem refinanciar seus débitos com prazo indeterminado;

- Eliminação de limites de prazo para operações de "leasing" de veículos para pessoas físicas e jurídicas;

- Captações com prazo de 90 dias corrigidas pela TBF podem ter taxa de juro negativa.

Aparentemente estas medidas não foram suficientes par resolver o problema do "empoçamento" de recursos nos grandes bancos e em 4 de setembro o BC novamente parte em socorro ao sistema financeiro. Resolve aumentar o limite de isenção do compulsório sobre depósitos à prazo e antecipa em uma semana a devolução dos recursos que estavam recolhidos como compulsório da poupança . as medidas visam evitar uma grande crise no sistema financeiro que não foi ainda totalmente afastada, já que no dia 28 de agosto o BC intervém novamente liquidando o Banco Irmãos Guimarães, um pequeno banco de São Paulo. Com essas medidas o BC devolve mais R$4,1 bilhões aos bancos, dos quais R$2,1 em dinheiro. Em setembro o governo voltou a reduzir o compulsório sobre as operações de crédito, de 8% para 5%. Desde o início destas medidas, o BC já devolveu cerca de R$12 bilhões, mas não conseguiu eliminar a crise de confiança. Isto porque a maior parte dos recursos liberados está em títulos públicos e a pequena parcela em dinheiro os grandes bancos acabam também a aplicando em títulos públicos, provocando o empoçamento. Dificilmente o governo conseguirá resolver esta contradição, pois é o cerne da política econômica - o elevado nível da taxa de juros e o desaquecimento abrupto da economia que a provoca . A preservação de altas taxas de juros reais (ainda que declinantes ) deve continuar a ser o instrumento do governo para manter a economia com redução nos níveis da inflação, sem ter que alterar sua política cambial de forma significativa

O governo visa, com essa política, manter o desaquecimento da atividade econômica, a fim de reduzir a demanda interna, obtendo queda das importações e evitando pressões de demanda além de preservar a atratividade do país para os investidores estrangeiros, o que tem permitido uma forte recuperação das reservas internacionais nos últimos meses.

Há muitas contradições nessa política e as pressões pela redução significativa dos juros deve aumentar. Além disso, os efeitos negativos sobre as contas públicas em especial sobre as finanças estaduais não podem ser descartados como pontos importantes a serem considerados pela equipe econômica nos próximos meses.

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