Ajuste Fiscal: o Desafio para o Real em 1996

A divulgação pelo Banco Central dos últimos dados relativos ao 
desempenho das contas públicas em 1995 confirmam como o ano 
apresentou-se exageradamente desfavorável, nessa frente, para os 
objetivos de estabilização da economia. Ao contrário do equilíbrio 
projetado no início do ano, o déficit operacional do setor público 
consolidado, registrou, em novembro, no fluxo acumulado dos 
últimos doze meses, o percentual de 4,31% do PIB, respondendo o 
Governo Federal e  o Banco Central pôr 25% deste total (1,08 
pontos percentuais), os estados e municípios por 58,5% (2,52% do 
PIB) e as empresas estatais por 16,5% (0,71% do PIB). Um resultado 
inesperado para os gestores da política econômica, e que não 
encontra precedentes na década de 90, somente superado pelo 
último ano da administração Sarney, em 1989, quando o País 
caminhava célere na rota do processo hiperflacionário. Como 
resultado deste acentuado desequilíbrio registrado nos fluxos de 
receitas e despesas, ampliaram-se consideravelmente os estoques 
das dívidas do setor público, prenunciando dificuldades crescentes 
para a administração de suas contas e, portanto, para a construção 
dos fundamentos fiscais indispensáveis para dar solidez ao Plano 
Real.

São muitas as razões que explicam este comportamento expansionista da política fiscal, apesar do excepcional crescimento registrados para as receitas tributárias e dos esforços empreendidos para conter o excesso de gastos em níveis que não comprometessem o andamento do Plano. Por um lado, a queda significativa da inflação desvelou a realidade dos gastos públicos , ao retirar dos governos , em suas diversas esferas, um instrumento que lhes permitia reduzi-los através do uso de expedientes, tais como a subestimação da inflação nas previsões orçamentárias, os atrasos nas liberações de recursos, o postergamento de pagamentos e etc. Por outro, a própria política econômica, ao continuar usando como principal base de sustentação do Plano, a política monetária, manteve em níveis exageradamente elevados as taxas de juros, ampliando consideravelmente, para o setor público, os dispêndios com os encargos da dívida pública. Além disso, o socorro que passou a ser prestado a diversas setores que se viram em dificuldades financeiras como resultado das consequências geradas pelo processo recessivo, que se instalou na economia a partir do 2º trimestre de 1995, drenou consideráveis recursos públicos não previstos. A renegociação da dívida agrícola (R$ 7 bilhões), o socorro prestado ao sistema bancário (estimativas de R$ 15 bilhões) são apenas alguns exemplos que podem ser apontados como responsáveis, também, pelo profundo desequilíbrio verificado nas contas públicas. Diante disso, a responsabilidade por este descompasso, atribuída ao aumento dos gastos com o funcionalismo público, especialmente dos estados e municípios, se bem que procedente, reponta como um fator de pressão sobre os gastos mas sem a importância e o peso que lhe vem sendo conferida.

Os efeitos desta política fiscal expansionista sobre os estoques da dívida traduziram-se em estragos profundos nas contas públicas e em magnificação dos problemas para a realização de um ajuste fiscal adequado para construção de bases mais confiáveis para o plano de estabilização. A dívida mobiliária federal junto ao público, pressionada também pelo expressivo aumento de reservas externas no ano ( + 34% mo conceito de caixa) saltou de R$ 61,7 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 108,5 bilhões no mesmo mês de 1995, aumentando 76% em termos nominais. A divida em títulos dos estados e municípios, os segmentos que apresentaram maior desequilíbrio no ano, cresceu, por sua vez, de R$ 24,9 bilhões em dezembro de 1994 para 39,5 bilhões em 1995 (+ 58,6% em termos nominais). No conjunto, a dívida líquida do setor público registrou, até novembro, uma aumento correspondente a 30%, passando de R$ 153 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 199,8 bilhões.

Se os resultados alcançados em 1995 são preocupantes porque aumentam as dificuldades para que se atinja o equilíbrio fiscal em 1996, a situação orçamentaria projetada para este último ano e os tropeços que o governo vem conhecendo em algumas de suas matérias tornam o quadro ainda mais sombrio. Ainda em tramitação no Congresso Nacional, o Orçamento de 1996, acusa perdas de receitas, até o momento, estimadas em R$17 bilhões. Cerca de R$ 8,5 bilhões decorrentes da reestimativa realizada pelo governo para o crescimento da economia (que passou de 4% para 3% no ano) e da taxa de inflação, também considerada superestimada (13,6%) na mensagem encaminhada ao Congresso. R$ 1,7 bilhão resultantes da derrota sofrida pelo governo na Câmara Federal relativa ao projeto de lei que instituía a Contribuição sobre Movimentação Financeira (CMF) aparece como responsável pelas perdas dos R$ 6 bilhões restantes. Não bastasse isso, as pressões para um eventual reajuste do funcionalismo público, em torno de 10%, devem elevar as despesas, se concedido, em cerca de R$ 4 bilhões, indicando um déficit potencial de R$ 21 bilhões no ano, ou de R$ 18 bilhões, caso venha a ser aprovada a CMF (no ano a CMF somente seria capaz de gerar R$ 3 bilhões, uma vez que só pode ser cobrada transcorridos noventa dias após sua aprovação).

Este rombo visível nas contas orçamentárias , para não mencionar outros dispêndios que parecem subestimados, como os relativos aos juros da dívida para os quais se projetam compromissos equivalentes a apenas 1% do PIB, tem conduzido o governo a iniciar delicadas e problemáticas negociações de cortes dos gastos públicos com o Congresso, sinalizando novamente atrasos na aprovação do orçamento e projetando dúvidas sobre os resultados a serem alcançados no tocante às contas públicas, à medida que implicariam perdas para setores/regiões que a eles vêm se opondo. Distante do pretendido, o Orçamento de 1996 deve, assim, se constituir no desenvolvimento de mais um capítulo da crise das contas públicas e continuar como um desafio, ainda mais se considerar que eventuais reformas que venham a ser aprovadas não devem gerar resultados de curto prazo para sua melhoria, que deve ser vencido para que o Plano Real não naufrague em face da debilidade fiscal do Estado brasileiro.

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