Equívocos e Propostas de Mudanças Tributárias No Brasil

 

 

As discussões sobre a necessidade de mudanças no sistema tributário brasileiro tornaram-se uma constante desde meados da década de 80. No início dos anos 90 elas se intensificaram, através de movimentos das classe empresarial brasileira, que advogavam a implantação do chamado ‘imposto único’ como alternativa salvadora da ineficiência fiscal brasileira. Argumentava-se que o sistema atual era complexo, que o número de impostos era excessivo, que a carga tributária era muito alta e que com o referido imposto, estes problemas estariam praticamente sanados.

Há cerca de uns três anos atrás, o governo federal, que saiu enfraquecido financeiramente com a reforma tributária de 1988 viu, neste movimento, o elo adequado para se engajar na discussão em busca das receitas perdidas. Naquela ocasião o movimento foi aos poucos se enfraquecendo, em parte pelo reconhecimento das grandes ineficiências do imposto único e, também, pela percepção de que os Estados e Municípios não apoiariam qualquer movimento de reforma tributária que levasse a uma perda de recursos nestas esferas de governo. Na realidade, o maior interesse do governo federal em alterar o sistema tributário visava e visa a recuperação das receitas perdidas com a Reforma Tributária de 1988 a fim de resolver seus problemas financeiros imediatos de caixa..

Tal conclusão se faz na medida que nenhum dos pontos básicos abordados no início deste texto têm sido sequer mencionados nas discussões. Não houve e não tem havido nenhuma discussão séria a respeito do papel a ser desenvolvido pelo governo. Este é um ponto relevante pois é a partir dele que se estabelecerá as funções a serem desempenhadas pelo governo e em que níveis (federal, estadual, municipal ou misto). Só a partir desta definição é que se poderá, em princípio, determinar o nível de carga tributária necessário para financiar tais gastos.

O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo, ou seja, há um peso relativo maior dos tributos indiretos na arrecadação total. Esta característica é contrária a da maioria dos países e é fruto da própria estrutura tributária e das legislações ordinárias que estabelecem uma carga maior sobre o consumo.

Desde a Reforma Tributária de 1966 que o sistema tributário brasileiro vem apresentando incidências maiores de impostos regressivos e desigualdades entre a tributação sobre os rendimentos de capital e os do trabalho.

O sistema tributário brasileiro, ao tributar mais relativamente as classes de renda mais baixas, não atende ao princípio básico da equidade, mas muito pelo contrário ele é extremamente injusto sob todos os ângulos que se queira analisar.

Recentemente houve uma discussão muito grande sobre a chamada ‘guerra fiscal’. O mecanismo utilizados pelos Estados para atraírem novas indústrias jogou por terra o princípio básico da neutralidade. Com isto a competitividade das empresas foram significativamente alteradas em função de uma carga tributária desigual, que mudou os preços relativos dos produtos, prejudicando aquelas atividades não incentivadas. A diversificação das alíquotas incidentes sobre a produção e o consumo, a parafernália das concessões fiscais praticadas no país e o mecanismo das reduções das bases de cálculo para uma grande quantidade de produtos, tornaram o sistema cada vez mais complexo, contribuindo ainda mais para a queda da neutralidade tributária.

As diversas controvérsias sobre a estrutura de gastos do governo (como por exemplo os elevados encargos da dívida pública) têm sido uma das causas que contribuem para a resistência da sociedade quanto ao pagamento dos tributos. Alia-se a isto o fato de que a grande maioria dos serviços públicos prestados pelo Estado é de baixíssima qualidade e insuficiente para atender a demanda existente hoje no país. Estas situações se manifestam em quase todas as áreas e mais especificamente na saúde, educação, habitação, saneamento, alimentos básicos, etc.

Aliados a estes fatores estruturais tem-se o atual quadro de tributos cobrados hoje no Brasil, que apresentam um elevado grau de complexidade e necessidade de controle do Estado e que gera uma quantidade de recursos muito menor da que se poderia arrecadar.

A Proposta do Governo

 

Quando o ICMS foi criado em 1967 ele tinha uma alíquota única em todo o país e a sua criação tinha o objetivo principal de eliminar o chamado Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) considerado inadequado para as características econômicas do País, principalmente pelo fato de que ele era cobrado em cascata.

Com o passar do tempo foram concedidas aos Estados algumas prerrogativas na utilização do ICMS o que culminou com uma total complexidade de sua legislação , com a diferenciação de alíquotas permitindo que ocorresse a tão questionada guerra fiscal.

A complexidade da atual sistemática de cobrança do ICMS e sua utilização diferenciada pelos Estados, aliada a crise financeira do setor público tem dado margem para que se pense e se proponha alterações no atual sistema tributário brasileiro.

Além da proposta apresentada pelo deputado Mussa Demes, já em tramitação no Congresso Nacional há muito tempo, que inclusive parte dele gerou a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) , existe um estudo no Governo Federal de uma nova alternativa tributária, cujo conteúdo tem sido objeto de avaliações e preocupações mais recentes, na medida que há uma expectativa de que esta proposta seja aquela a ser avaliada pelo Congresso Nacional.

A proposta do Governo Federal ( conhecida como a proposta Pedro Parente ) tem no seu cerne os seguintes pontos básicos:

- extinção do ICMS (estadual) , do IPI (federal) e do ISS (municipal)

  • criação do IVA ( Imposto sobre valor agregado) , das ‘Excise Tax’ (impostos específicos), do Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV) a nível estadual e municipal
  • extinção das contribuições em cascata (Contribuições sobre o Lucro Líquido das Empresas – CSLL, do PIS e COFINS.
  • Imposto de Renda perde o princípio constitucional da progressividade
  • Transformação da CPMF em imposto (IMF) dedutível do imposto de renda devido
  • Transformação do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, do IOF e do ITR em contribuições

 

Considerações sobre as Propostas

 

Em relação às propostas apresentadas pelo projeto acima quatro considerações básicas merecem ser feitas.

A primeira refere-se às alterações propriamente ditas. Nas mudanças, a mais significativa relaciona-se à criação do IVA federal. De acordo com esta proposta este imposto além de ser cobrado pelo Governo Federal incidirá sobre o consumo e terá uma alíquota única com exceções para os bens de consumo popular ( ainda não definido quais) que deverão ter um carga tributária menor. A idéia central da criação deste imposto, com estas características, é a de que ele criaria dificuldades para se evitar a guerra fiscal entre os Estados, e não daria espaço para as isenções fiscais via redução da base de cálculo, anistia e incentivos fiscais. De resto, as propostas apresentadas não gerariam grandes transformações ou, pelo menos, mudanças efetivamente revolucionária e simplificadora. Além disso, não se tem ainda a noção de como funcionarão os IVVs municipal e estadual.

A segunda observação relaciona-se à questão da quantificação dos recursos gerados e a gerar em função das mudanças propostas. Tais pontos são relevantes pois, dada a complexidade da atual sistemática do ICMS, do IPI e do ISS, não é tarefa fácil determinar a carga tributária deles de forma que ele possa ser transferida para o novo IVA. Além disso, é preciso saber, com base em definições políticas fundamentais, qual é a carga tributária necessária e desejada para o País.

O sistema atual tem a característica de ser extremamente regressivo. Isto é, o conjunto de tributos hoje cobrados geram uma carga tributária mais elevada para as classes de renda mais baixas. A proposta do governo, ao eliminar o princípio constitucional da progressividade do Imposto de Renda caminha no sentido de preservar tal situação e, seguramente conduzir a estrutura tributária a uma regressividade ainda maior. Ou seja, as classes de renda mais baixa continuarão a sofrer uma carga tributária mais elevada do que as classes de renda mais altas.

Por fim, merece mencionar uma vez mais que o governo cometerá um grande equívoco e de nada adiantará modificar a estrutura tributária do país se não preparar, adequar e aumentar a eficiência da estrutura de controle e administração dos tributos no país. Se o objetivo do governo for ou fosse apenas o de aumentar a carga tributária ( ou a quantidade de recursos fiscais arrecadados) não haveria nenhuma necessidade de transformações na base tributária brasileira. Bastaria apenas que fosse aumentado o número de fiscais que, se treinados adequadamente e com melhores condições materiais de trabalho, por si só já se alcançaria um substancial aumento da arrecadação de tributos no país.

    Voltar ao Índice