As Contas Públicas, O Plano Real e a Frustração do Crescimento

          A divulgação do déficit público equivalente a 0,99% do PIB em fevereiro mostra a dificuldade que o governo tem e terá pela frente para manter o curso do Plano Real dentro de suas expectativas. Tal fato se manifesta dentro do próprio governo na medida que ele não tem sido capaz de ajustar nem mesmo as variáveis que, teoricamente, estão sob o seu controle.

          O déficit de R$ 8.550 bilhões em fevereiro foi o maior observado na país desde dezembro de 1991. Do ponto de vista de apuração do déficit o governo utiliza conceitos diferentes para minimizar o seu real tamanho.

          Assim, tomando por base o conceito de DEFICIT PRIMÁRIO, que considera as despesas e receitas exceto os juros da dívida o governo apresentou o resultado mencionado de 0,99% do PIB, acumulado em janeiro e fevereiro. O resultado de fevereiro provocou um acréscimo no déficit de 0, 1 4%, sendo 0, 12% causado pelo Governo Federal e as suas estatais e os outros 0,2% foram originários dos desajustes dos Estados e suas estatais e dos municípios.

          Nestas situações de déficit o governo está apresentando um gasto corrente (excluindo os juros) maior do que as receitas correntes e acaba se endividando no mercado financeiro a fim de evitar novas emissões de moeda.

          Do ponto de vista do conceito primário, cuja situação é bastante irreal, o valor apresentado foi, segundo explicações do próprio governo, devido aos gastos com pessoal, com as despesas da previdência social e pelos recursos aplicados nos ajustes das empresas estatais a serem privatizadas.

          Na realidade, não faz sentido incluir nesta avaliação os recursos aplicados nas empresas estatais na medida que eles não se referem a gastos de custeio e sim inversões financeiras (investimentos) o que, de certa forma, descaracteriza o conceito do déficit primário.

          Do ponto de vista do conceito de déficit NOMINAL, que incluem os gastos com os juros da dívida, a situação se mostra muito mais grave.

          Em fevereiro o déficit apresentado foi de 6,53% do PIB, ou seja, 0,32% maior do que o de janeiro. Tal situação catastrófica se deve ao absurdo valor de pagamento de juros. Com o pacote fiscal de outubro do ano passado, que elevou abruptamente as taxas de juros, a despesas com juros que estavam em R$ 2.173 bilhões passaram para R$ 5.088 bilhões em fevereiro deste ano. Tal montante eqüivale a aproximadamente 25% da carga tributária brasileira.

          Do ponto de vista financeiro o pacote fiscal lançado no final do ano passado não trouxe nenhum alívio para o setor público. Ao contrário ele aumentou substancialmente o volume dos encargos da dívida e contribuiu para uma elevação ainda maior no estoque da dívida. Segundo o Banco Central, somente no mês de março a dívida em títulos federal teve um acréscimo de 6%, ou seja um montante equivalente a R$ 10.233 bilhões. Com este acréscimo, o estoque da dívida líquida do setor público atingiu o montante de R$ 321.970 bilhões, equivalente a 35,8% do PIB.

          Vale destacar as magnitude de tais variações que quando apresentadas dentro de um conjunto de informações não relativizadas, às vezes, não se percebe concretamente a sua dimensão. No caso do acréscimo mencionado de R$ 10.233 bilhões, se comparado, por exemplo à arrecadação do ICMS no Estado de Minas Gerais, eqüivaleria a quase dois anos de arrecadação.

EXPECTATIVAS DE CRESCIMENTO

          Do ponto de vista do crescimento o resultado fiscal apresentado frusta ainda mais a expectativa de qualquer recuperação das taxas de crescimento e da criação de empregos. Dessa forma, não se deve esperar no curto prazo grandes alterações neste quadro.

          O crescimento da economia depende fundamentalmente do nível de investimentos nela realizados. E para que tais investimentos se materializem há necessidade de se buscar e formar as poupanças necessárias.

          No que se refere às fontes tradicionais de poupança percebe-se que as possibilidades de crescimentos dos investimentos, no curto prazo, são cada vez menores no Brasil.

          O financiamento dos investimentos poderão advir de três fontes básicas: poupança externa, poupança privada interna e poupança pública.

          A poupança externa hoje disponível se constitui mais no capital especulativo do que recursos para investimentos. Com a possibilidade de turbulências, provocadas até mesmo por desacertos nos países asiáticos, tomam a situação da economia brasileira mais vulnerável e com isto menos atrativa para os investimentos externos produtivos. Dessa forma, os recursos hoje captados no exterior têm sido altamente especulativos e servido para garantir os desequilíbrios do balanço de pagamentos.

          Do ponto de vista da poupança privada interna, o Brasil esta hoje num processo da chamada bola de neve às avessas. Ou seja, o Plano Real, juntamente com as transformações tecnológicas, tem desaquecido a economia e com isto gerando menos emprego. A geração de menos emprego em si já é, na grande maioria das vezes, um indicativo de diminuição da atividade econômica. Além disso, um desemprego maior gera uma demanda agregada menor e como conseqüência diminui também a poupança interna, resultante dos retornos da atividade produtiva. Neste caso, vê-se que também não há poupança privada interna suficiente para novos investimentos.

          Finalmente, no setor público, pelas razões mencionadas no início, vê-se também que ele não tem sido capaz de gerar poupanças suficientes para novos investimentos.

          Dessa forma, o desaquecimento da atividade produtiva interna, irá gerar mais desemprego. Com isto diminuir-se-á a renda disponível na economia, desaquecendo a poupança e a produção interna. Tal situação propiciará ao governo uma diminuição de sua arrecadação altamente vinculada à atividade produtiva.

          Em contrapartida, o Brasil continua mantendo uma elevadíssima taxa de juros para financiar sua balança comercial, inibindo o investimento interno, gerando, portando, menos emprego. Além disso as contas públicas tendem a estar cada vez mais deterioradas em função da diminuição da capacidade do governo em obter receitas e de ter que pagar um encargo de dívida cada vez maior.

 

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