A estratégia global do governo - que segue o ideário neo-liberal e que busca nele sua racionalidade - aparece na cena política como um agregado de propostas políticas dispersas e de certo grau de impopularidade, o que torna sua aceitação pela sociedade e aprovação pelo Congresso um processo demorado, conflituoso e que acaba por desfigurar os objetivos iniciais.
Apesar de não conseguir se articular como um projeto autônomo e alternativo à estratégia do governo - a oposição , galvanizada principalmente pelo PT, consegue explorar algumas contradições do bloco governista e "ganhar tempo".
Outubro aparece como um mês simbólico desta complexa situação conjuntural, onde a
economia apresenta uma "performance" positiva para os objetivos da Política conômica,mas
aponta também grandes desafios que podem significar uma encruzilhada para o Plano Real.
Realização
Os Índices
Novamente os principais indicadores de preços voltam a indicar uma tendência de crescimento da inflação. Enquanto a 3a. quadrissemana de outubro do IPC-FIPE aponta uma certa retomada da elevação dos preços, tendo ficado em 1,41% , em comparação à 0,74% em Setembro, o IGP-M da FGV aponta uma alta de 0,52% em Outubro. A elevação do IPC-FIPE reflete o impacto da elevação dos preços dos combustíveis e alimentos industrializados. Mas há um comportamento de redução dos preços de vestuário, habitação e saúde- ressaltando-se a queda dos preços de serviços em especial os aluguéis.
Desse modo, apesar do fato já ressaltado em nossa análise anterior de que permanecemos em um nível extraordinariamente alto de inflação - para uma economia que se quer estabilizada- há fatores importantes direcionando regularmente os preços para baixo. Entre estes, destaca-se a reduzida correção cambial, que segura os preços domésticos dos produtos "tradables" , e o impacto da produção agrícola. A correção das tarifas públicas , iniciada com o reajuste dos combustíveis, não parece alterar significativamente este quadro. Aparentemente os fatores sazonais - como a mudança de estação para o vestuário, ou as compras de final de ano - poderão afetar os índices de preços, mas não com uma intensidade que seja significativa. Além disso, há outros fatores "baixistas" como a queda dos valores dos alugueis e dos serviços.
O que pode e o que deve mudar O que pode vir a mudar este quadro, pressionando por uma elevação dos preços, são as consequências da atual política agrícola sobre a safra do próximo ano, as pressões altistas de algumas mercadorias no mercado internacional - como trigo, aço, etc. e fatores de instabilidade cambial com origem externa - notadamente México e Argentina, que continuam a se mostrar econômica e politicamente instáveis .
Mas alguns aspectos desse quadro deve ser mudado, para que a queda da inflação seja real. Em primeiro lugar, o custo da cesta básica. Segundo pesquisa do Procon-Dieese de São Paulo, houve um recuo de 4,92% da cesta básica, desde Julho de 1994, mas em 95 o seu custo médio mensal se elevou de r$98,87 para R$102,64. A queda no período advém dos alimentos, e do fato que houve uma elevação artificial na "virada" da URV para real, em julho de 94. O segundo aspecto, relacionado a este, é o da ampla dispersão dos preços da cesta básica, que faz que o seu custo oscile entre R$70,46 em R$150,33 - uma diferença de 113,36%. Finalmente, a enorme diferença entre a média de preços de hortifrutigranjeiros no atacado e no varejo mostra que a queda dos preços está sendo apropriada pelo sistema de comercialização e não pelo consumidor final. Em BH, por exemplo, o sobrepreço médio entre o varejo e o atacado era de 175% em agosto, tendo subido para 184,2% em setembro.
A solução para este e outros problemas não passa, evidentemente, apenas pela
"campanhas de conscientização" como a realizada pelo governo. Conforme reportagem do
jornal Gazeta Mercantil de 29/9 a 1/10, além de cometer erros crassos com os próprios
preços , seu objetivo parece apenas obrigar o consumidor a despender grandes somas de
dinheiro para compor a "cesta de consumo ótima" , já que teria que se deslocar entre os
locais de vendas que se encontram espalhados por todo o perímetro urbano.
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Balanço de Pagamentos e Política Cambial
Foi registrado em setembro mais um superavit na Balança Comercial de US$ 481 milhões, embora tenha havido uma redução das exportações em setembro - US$ 4167 milhões , contra US$ 4558 milhões em agosto, o que implica em prever o valor das importações em US$ 3686 milhões, uma redução de US$ 574 mihões em relação a agosto.
A política cambial parece ter tido uma influência neste resultado, embora tenha sido mantida a sobrevalorização do Real, apesar da nova minibanda variar entre R$0,958 e 0.963, o que representou uma desvalorização do real de 0,5% em relação à minibanda anterior. Este resultado deve-se à queda das importações, que foi de 12,86% em relação a Agosto. Cairam todosos ítens da pauta, inclusive os automóveis. O resultado não foi melhor devido à queda das exportações de 8,5%. Além da política cambial, a restrição do do consumo interno e as cotas de importação sobre automóveis influenciaram este resultado. A tendência para o último trimetre do ano, no entanto, é de volta do déficit comercial, pois há uma série de fatores pressionando neste sentido. Em primeiro lugar, a retomada do crescimento da demanda neste período deve pressionar por um aumento das importações e por redução dos excedentes exportáveis surgidos em razão da desaceleração da economia.
Por outro lado, os possíveis acréscimos na exportação de alguns insumos e matérias primas não poderá compensar a queda representada por produtos cuja safra já se esgotou, como a soja, ainda que seu preço esteja em alta no mercado mundial. Finalmente, os preços de vários produtos de exportação têm caído desde agosto, em função de uma maior oferta influenciando negativamente as cotações de aços, produtos químicos, café, etc. Tudo isso poderá afetar negativamente as exportações até o final do ano.
A reação do governo tem sido apelar para uma política de incentivo à exportações, que engloba o Proex - ampliando-o para novos setores como têxteis e cerâmica, reformula o Programa de novos pólos de exportação- incluindo as pequenas e médias empresas através do Balcão Sebrae Internacional. O Finamex , do BNDES, continuará a ser a principal linha de crédito, sendo agilizada pela Agência de Promoção do Investimento.
Pelo lado das importações o governo tem mantido algumas restrições, como o sistema referencial de preços para importações de automóveis, tenis, eletrodomésticos e commodities. Implantou também novas aliquotas de importação para calçados, têxteis e bens duráveis (automóveis principalmente) e definiu o sistema de cotas para importação deste ultimos. Finalmente, implantou o SIVA - Sistema de Vslorização aduaneira nas importações de produtos têxteis, que tentará impedir o "dumping” neste setor. Recentemente, pressionado pela Organização Mundial de Comércio que condenou o uso das cotas pelo Brasil, o governo anuncia o abandono do sistema no próximo ano , alegando que a medida é inócua , pois o Brasil não vai chegar a importar os 150 mil veículos previstos.
Em relação à Dívida Externa, o governo tomou a incitava de pagar em 3/10, as parcelas de sua dívida para com o Clube de Paris, referentes às fase 3 - no valor de US$20,3 milhões e os juros e o principal referentes à fase 4, no valor de US$389 milhões, totalizando US$ 409,4 milhões . Em 16/10, o BC pagou aos bancos privados , através do Chase Manhattan de New York, o valor de US$1,334 bilhão e depositou US$ 537,7 milhões no BIS - Banco de compensações internacionais na Suiça, como garantia da dívida externa negociada em 92. Com isso o Brasil pode inciar o processo de compra de sua dívida externa no mercado secundário. Neste mês, portanto, houve um desembolso de US 2,2 bilhões , reduzindo as Reservas Internacionais para cerca de $44,5 bilhões. O governo decidiu também eliminar o deságuo oficial de 25% para os bônus de dívida externa utilizados no programa de privatização. Permanece o deságio apenas para o Bônus Par, que é de 34,4% com redução prevista pelo Acordo Da dívida Externa, a cada semestre.
Com uma política cambial de minibandas e microdesvalorizações, uma saída de recursos para pagamentos da dívida externa e uma entrada de investimentos externos diretos ainda a desejar, o governo vai continuar contando com a manutenção de um alto nível de Reservas Internacionais- em sua maior parte de capital "volátil" - para o equilíbrio do setor externo.
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Política Monetária e Mercado Financeiro
O comportamento do governo não se alterou fundamentalmente neste período. Continua mantendo uma política de taxas de juros em queda, gradativa , mais ainda um patamar alto de 3,07% de juros reais, se comparado aos níveis internacionais. Por outro lado, o governo adotou novas medidas de distensão no mercado financeiro ao autorizar o empréstimo de recursos dos fundos de pensão , até o limite de 3,5% de suas reservas técnicas. Outra medida importante foi a ampliação do prazo dos consórcios para um mínimo de 50 meses e um máximo de 60 para todas as categorias de veículos. A medida, no entanto, ainda traz restrições: a proibição de lances e a exclusão dos eletrodomésticos do sistema.
A grande mudança no mercado financeiro foi a implantação do novos fundos de investimento financeiro (FIF) em substituição aos anteriores, que permitiam aplicações de rentabilidade diária. A partir de agora , os fundos deste tipo serão penalizados com 50% de depósito compulsório sobre o rendimento, o que lhes retirará a rentabilidade. Já os Fundos de 30 dias contarão com depósito compulsório de 5%. Somente os fundos de 60 dias permitirão rentabilidade plena, sem compulsório.
O reflexo destas medidas no ambiente geral da economia parece ser, no entanto, muito reduzido. Do ponto de vista da reativação da economia, significam apenas redução de algumas restrições que podem ou não levar a uma elevação real do crédito interno, dependo da reação dos bancos e dos próprios consumidores. Já a mudança dos fundos pode significar um passo para mudanças importantes no funcionamento do mercado financeiro - como o fim da "zeragem automática" dos bancos, uma maior flexibilidade na emissão de títulos pelo governo, etc.
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Nível de Atividade
O desempenho da economia demonstra ainda uma performance de desaceleração, embora com uma diminuição no ritmo desta. A pesquisa Indicadores Industrias da CNI, válida para o conjunto da indústria, aponta uma queda no nível de emprego em agosto de 1,82% frente a Julho. Mas aponta também o crescimento real das vendas da indústria de 5,95% contra queda de 6,5% no período anterior. Em setembro, o setor demitiu 31418 trabalhadores em São Paulo, contra 57.632 em agosto. (Enquanto na terceira semana de setembro a indústria paulista havia demitido 5569 trabalhadores, na primeira semana de outubro este número se reduziu a 4537. Houve uma queda de 0,20% no nível de emprego, contra o,25% no período anterior.)
Outros indicadores apontam para um quadro ainda contraditório. A redução da inadimplência - prestações e cartões de créditos em atraso foi, de acordo com a Associação comercial de São Paulo, de 153,6 mil em setembro, contra 188,7 mil em agosto. Apesar de em queda, este nível é ainda 110% acima do de igual mes de 1994. Também a devolução de cheques sem fundo recuou de 0,39% do total emitido para 0,38% em setembro. Também as vendas totais de veículos - o setor dinâmico da economia - foram 9,2% mais baixas em setembro em relação a agosto, embora no acumulado de janeiro a agosto temos um crescimento de 27,4% sobre igual período do ano passado. Finalmente, calcula-se uma queda de pelo menos 8% na produção de grão no próximo ano apenas em decorrencia da redução da área plantada, provocada pela inadimplência e política de juros do governo para o setor.
Tudo indica que as expectativas de retomada da demanda neste período, em função de fatores sazonais como negociações salariais e redução das restrições ao crédito, se chocaram com um quadro real de uma ainda grande redução do crescimento da economia.Apesar disso, deve-se ressaltar o significativo nível de investimentos previstos para o próximo período. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças, de um universo de 148 empresas nacionais e internacionais, 53% tem investimentos programados para os próximos 12 meses de até r$10 milhões e 20% entre R$10- milhões e 5o milhões.
Outro indicador neste sentido, mais concreto, é a liberação de r$283,3 milhões pelo BNDES para investimentos na indústria no final de setembro, para um total de R$530 milhões previstos. Também as empresas multinacioanis anunciaram ,até o momento, investimentos novos de US$ 4,67 bilhões até o final da década, nos setores automotivo(US$1,06 bilhão), alimentos ( 132 milhões), bens de capital(US$90 milhões), comércio( US$ 50 milhões) , sendo o restante para os setores de informática e eletroeletronica(1,31 bilhão), farmacêutico(500 milhões),metalurgia e siderurgia (1,35 bilhão), mineração, higiene, limpeza e cosméticos( 167,8 milhões).
Uma explicação possível para essa aparente contradição está no fato de que , mesmo com nível de produção baixo e alto desemprego, os índices de lucratividade proporcionados pela economia brasileira são muito altos. Um levantamento feito pela Técnica Assessora de Mercados de Capitais e Empresarial Ltda abrangendo um universo de 141 empresas de 21 setores de produção mostra um crescimento, no primeiro semestre , de 656% no lucro consolidado comparado com igual período de 1994. O número de empresas com prejuizo baixou , no período, de 40 para 30.(GM 17/10/95). Por outro lado, fontes da Volkswagen do Brasil informam que, ao contrario do que ocorre na Alemanha, 65% de capacidade instalada já é suficiente para tornar o funcionamento da montadora lucrativo. No seu país de origem, são necessários 80% de ocupação da capacidade instalada para este resultado.
Para favorecer esse processo de retomada dos investimentos na economia, o Governo lançou o Plano Plurianual -PPA. Ele se resume a uma projeção do Orçamento de R$ 458,9 bilhões até 1999, sendo que R$ 153,3 bilhões (33.4% do total) referem-se a novos investimentos que, estima governo, deverão propiciar entre 1996 e 99 uma expansão de 19,8% do PIB e de 14% na renda per capita. Como prioridades , o Plano aponta os seguintes setores:
* energia e telecomunicações, no setor de infra-estrutura, com ênfase também na mudança da matriz de transportes;
* o orçamento da área social está concentrado em previdência (60%) e saúde (15%), com apenas 4% para educação e 3% para saneamento;
* em termos setoriais, agricultura e ciência e tecnologia são prioritários.
Por outro lado, o PPA tenta inovar ao incluir nas suas projeções um aporte significativo de recursos da iniciativa privada nacional, de investidores externos, dos Estados e Municípios e de outras fontes externas ao Orçamento da União, mas peca por excesso de otimismo, já que não existem bases seguras para tal projeção em um período em que se misturam desaceleração da economia e crise financeira de Estados e Municípios.
Em síntese, como afirmamos no início, a conjuntura aponta para um processo muito gradativo de adaptação a um crescimento moderado e queda da inflação, com a manutenção pelo governo das bases fundamentais de sua política monetária, creditícia e cambial ao lado de uma grande operação de busca de apoio político e parlamentar para as Reformas Estruturais e Medidas Emergenciais. Paralelamente a atuação da oposição que busca brechas para se manifestar, desencadeia-se uma atuação contraria às medidas do governo por parte da sociedade civil, especialmente da CUT, CNI e outras entidades. A resposta do governo foi, até o momento, tentar ganhar tempo, atenuando as restrições e fazendo passar Reformas ( como a administrativa) ou medidas - como o FSE- que, acreditava-se, teriam um custo político menor. Tudo indica, no entanto, que o enfrentamento dessa encruzilhada implicará talvez em custos maiores que o esperados pelo governo. A saída de Edmar Bacha da Presidencia do BNDES, as dificuldades de negociação no Congresso, os conflitos internos da aliança governamental mostram bem o que isto deve significar: o fim de uma "lua de mel" com o Real e o início de um novo período, onde a questão política estará ocupando um espaço cada vez mais importante para a definição dos rumos da conjuntura.
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FONTE HTML: Copyright © 1995, Ricardo Fonseca Rabelo