O ano de 1995 constitui, talvez, o exemplo mais acabado do fiasco conhecido pela
política fiscal na década,em seu objetivo de assegurar o equilíbrio das contas públicas e
lograr, com isso, a construção de bases mais sólidas para a sustentação do plano de
estabilização em curso. Administrada com o propósito de produzir pelo menos um
resultado equivalente entre receitas e despesas no decorrer do ano, as autoridades
responsáveis pela sua implementação deverão amargar um déficit do setor público
consolidado, no conceito operacional, superior a 4% do PIB, e, no conceito nominal, em
torno de 7% do PIB. Até o mês de outubro, estes números já haviam atingido,
respectivamente, os níveis de 4,08% e 6,88% do PIB, mesmo diante da mudança de
metodologia utilizada para o seu cálculo, pelo Banco Central, que resultou em sua
redução.
Como não se apresentam no cenário fatores favoráveis que podem contribuir
para sua melhoria - a própria arrecadação federal tem apresentado desempenho declinante
nestes últimos meses do ano -, não constituirá surpresa se esses números se revelarem
ainda mais elevados. Política fiscal expansionista e profunda deterioração das contas
públicas não se explicam, entretanto, somente pela ausência das reformas do Estado, que
têm sido proteladas para um horizonte incerto, mas também pela própria arquitetura do
plano de estabilização, que, apoiado numa política monetária de juros extremamente
elevados e na sobrevalorização cambial, não somente tem acarretado elevados custos para
a dívida interna como conduzido, a uma situação de insolvência, vários setores da
economia, exigindo intervenções do governo e aportes de recursos públicos para salvá-
los.
As causas comumente apontadas como responsáveis pela deterioração
fiscal, em 1995, não deixam dúvidas sobre essas questões. Os Estados e Municípios,
premidos por uma folha de salário em expansão, como resultado do fim da inflação que
tornou reais os aumentos concedidos, e penalizados pela política de juros em patamares
absurdamente elevados, despontam como os principais agentes formadores do déficit,
respondendo, até setembro, por 65% de seu total. As empresas estatais, amargando
defasagens tarifárias e também oneradas pela política de juros altos caminham em direção
à geração de um déficit operacional que deve se aproximar de 1% do PIB.
O Governo Federal e o Banco Central, que vinham apresentando melhor desempenho até agosto -
mas sem equilíbrio em suas contas - viram, também, sua situação agravar-se celeremente,
como resultado da explosão do crescimento da dívida mobiliária federal - e de seus juros -
, explicada pelo acúmulo de reservas internacionais e pelo socorro que passou a prestar a
vários setores em dificuldades na economia, como os agricultores, usineiros, setor
financeiro, com destaque para os casos do Banco Econômico, Nacional e Banespa, que,
em conjunto, devem absover recursos públicos correspondentes a R$ 15 bilhões. Só para
se ter uma idéia do impacto provocado por estes fatores sobre a dívida mobiliária do
Governo Federal, junto ao público, basta dizer que ela conheceu um crescimento de R$
69 bilhões em junho para R$ 109 bilhões em novembro, acumulando, neste período, uma
expansão de 58%. E, ainda, que os gastos com os juros dessa dívida atingiram, até
outubro, o montante de R$ 16,1Bilhões.
Se este cenário da situação das contas públicas apresenta-se negro para
1995, com todas as implicações que isso significa para as expectativas dos agentes
econômicos e para o próprio sucesso do plano de estabilização, que tem se sustentado em
âncoras frágeis e insustentáveis por um período prolongado, as perspectivas para 1996
não se mostram, também, nada favoráveis. Não bastassem as incertezas reinantes em
torno da realização das reformas do Estado, especialmente em relação àquelas que mais
podem afetar as suas receitas e reduzir seus gastos - tributária, previdenciária,
administrativa etc. - continuam se ampliando os setores em dificuldades e aumentada a
demanda por recursos públicos e as renúncias fiscais para atender suas necessidades. Com
isso, os benefícios com que vêem sendo contemplados agricultores, usineiros, bancos,
passam a ser pleiteados, também, pela atividade econômica em geral, escudada no
argumento que atribui responsabilidade ao Estado, dada a combinação predatória da
política de juros altos com recessão, pelo grau de insolvência e de falências que tem
marcado suas unidades produtivas. Os desdobramentos deste processo e os gastos que
representarão estes pleitos, se atendidos ainda que parcialmente, só lançam ainda mais
dúvidas sobre a situação das contas públicas para o próximo ano. Se isso parece muito,
não é, entretanto, tudo.
A previsão de alguns gastos previstos no Orçamento de 1996 foi
condicionada à aprovação de algumas receitas pelo Congresso Nacional, algumas das
quais, no entanto, não foram sancionadas em tempo hábil, neste ano, pelos parlamentares.
Na verdade, tirante a aprovação dos projetos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica
(IRPJ), cujas alterações devem aumentar a arrecadação em R$ 5,7 bilhões
estimativamente, e do IRPF, que não deve contribuir para gerar receitas adicionais, dada a
superficialidade das mudanças nele introduzidas, os demais projetos do Executivo viram
sua apreciação emperrada no Congresso. Entre esses figuram: a) a Contribuição sobre
Movimentação Financeira (CMF), que deveria gerar recursos da ordem de R$ 6 bilhões
para o financiamento da área de saúde; b) a revisão da contribuição previdenciária dos
aposentados e inativos da União, com a qual se esperava um aumento da arrecadação de
R$ 1,7 bilhão; e c) o restabelecimento da contribuição previdenciária dos autônomos, que
possibilitaria uma expansão da receita em torno de R$ 1 bilhão. Isso, para não mencionar
o fato de que continua pendente a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF),
que deve gerar recursos líquidos para o Governo Federal de R$ 3,8 bilhões. Ainda que
essas contribuições venham a ser votadas no início do ano, elas só podem ser cobradas 90
dias depois, de acordo com o que determina a Constituição, o que significa que, pelo
menos até abril, o governo terá de realizar cortes mensais estimados em R$ 740 milhões
nas áreas para as quais eles se destinariam, para que não se amplie o déficit potencial do
OGU, que já se encontra subestimado pelos baixos custos imputados para a dívida
pública. O que deixa antever sérias dificuldades para a gestão das contas públicas no
próximo ano.
Tida como fundamental para viabilizar o êxito do Plano Real, desde o seu
lançamento, a âncora fiscal continua carente de solidez e dependente de um ajuste
provisório, precário e insuficiente. Como tal, tem atuado no sentido de minar as peças -
frágeis - de sustentação do plano e incapacitado-se a desempenhar um papel ativo - e
crucial - para a construção de suas bases mais duradouras. O acentuado desequilíbrio das
contas públicas em 1995 e as perspectivas nada animadoras desenhadas para o ano de
1996 apenas prenunciam que, muito provavelmente, o Plano continuará apoiando-se nas
peças atuais - recessão, política monetária restritiva combinada com juros elevados etc. -
que podem determinar, pelo seu conteúdo e natureza, o seu insucesso a médio prazo.