Dilemas da política monetária
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Na edição que acaba de chegar às bancas, a revista "The
Economist" diz que muitas coisas
desagradáveis começam com a letra D: desastre, doença, dívida e
depressão. Até quarta-feira, o
Brasil de chuteiras parecia apavorado com a inclusão das palavras derrota e desclassificação,
flagelos que hoje assolam impiedosamente palmeirenses e flamenguistas. Mas, fora das quatro
linhas, o mundo estaria diante de
outra fatalidade alfabética: a deflação, ou seja, o processo cumulativo e generalizado de queda de
preços.
Para quem está festejando a
derrocada dos preços do petróleo,
seria recomendável uma vista
d'olhos no desempenho das demais commodities. Com poucas
exceções, o quadro é preocupante:
as de origem agrícola estão em
declínio desde o começo da década de 90; as industriais -de alta
e baixa tecnologia- começaram
a despencar depois de 1997, empurradas pelas fortes desvalorizações cambiais dos "tigres asiáticos", pela apatia da economia japonesa e, mais recentemente, pelas baixas de preços na China e
em Hong Kong.
No final de 1997, escrevi nesta
coluna que a crise asiática, com
as desvalorizações em cadeia, iria
tornar ridículos os temores dos
mercados quanto a uma possível
aceleração da inflação. Gente
graúda, como o economista Paul Krugman, tratou de ironizar os
que advertiam para os riscos de
uma deflação mundial. Já o jornalista William Greider, por
exemplo, editor de Economia da
revista "The Nation", apostava
que um desaquecimento da demanda mundial iria encontrar
um coadjuvante eficaz para derrubar os preços: o excesso de capacidade em rápida construção
na Ásia, na Europa e nos Estados
Unidos. O relatório mensal do
Departamento do Comércio americano registrou queda de 1,6%
no Índice de Preços ao Produtor (PPI) em outubro. Isso antecipa
reduções nos índices de preços ao
consumidor.
Há algum tempo, também nesta coluna, registrei que o presidente do Federal Reserve, Alan
Greenspan, mostrava preocupação com o comportamento das taxas de juros na deflação. Diante
da formação de um ambiente e de
expectativas deflacionárias, elas
se mostram preguiçosas e caem
lentamente. Dependendo da profundidade da queda de preços nos
mercados de bens e serviços, as taxas de juros reais para os produtores e os consumidores podem
subir ou se manter muito elevadas, sobrecarregando os devedores e aumentando significativamente o risco de inadimplência
para os credores.
Esse é um fenômeno sobejamente conhecido, estudado pelos
partidários da Banking School no
século 19 e reconhecido por Keynes nas primeiras décadas do século 20. Diante da expectativa da
continuidade da queda de preços
dos bens, sobe o valor presente de
uma determinada soma de dinheiro. Ou seja, eleva-se o rendimento esperado da posse da riqueza sob a forma líquida. O dinheiro é tudo, as mercadorias não
são nada, diria o velho Marx.
Há o perigo de que a confirmação dessas expectativas possa levar a economia para uma trajetória de queda cumulativa de preços, a uma interrupção de pagamentos e a uma crise aguda do
sistema bancário. Os mais otimistas descartam essas desgraças,
confiando cegamente nos poderes
da política monetária.
Outros analistas desconfiam de
que a peculiaridade da atual conjuntura internacional está na
convivência entre forças contraditórias: 1) tendências deflacionárias nos mercados de bens e serviços e 2) surtos recorrentes de aceleração de preços nos mercados
de ativos financeiros e reais cuja
oferta é inelástica a curto prazo.
A política monetária vai se mover, portanto, entre o objetivo de
prevenir o processo cumulativo de
queda de preços dos bens e a necessidade de regular a "exuberância irracional" dos mercados financeiros, evitando reações e movimentos injustificáveis dos investidores nos mercados de ações.
Para conter as forças deflacionárias seria recomendável uma
queda ainda mais rápida dos juros. Isso poderia, no entanto, exacerbar os ânimos dos altistas que
não costumam perder tempo. Logo antecipam uma recuperação
insustentável no valor das ações,
ampliando o descompasso entre
os preços desses papéis e o comportamento dos lucros.
Há de se reconhecer que a taxa
de juros não pode cumprir simultaneamente os dois papéis: o de
conter as tendências à deflação e
o de desestimular uma eventual
especulação altista nas Bolsas.
Restará, sem dúvida, o recurso a
uma política fiscal mais generosa.
Seja como for, tal discrepância
na evolução dos preços -os dos
bens produzidos e os da riqueza
não-produzida- costuma terminar de forma desagradável. As reconciliações, historicamente, têm-se revelado violentas, com fortes
desvalorizações da massa de riqueza mobiliária inflada e reverberações na esfera produtiva.
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